Título: Ações de improbidade administrativa até agora só punem baixo escalão
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 01/04/2007, O País, p. 4

No Estado do Rio, por exemplo, apenas 2% dos processos chegam ao fim.

Oswaldo Saldanha Pequenino era comissário de menores de Volta Redonda até 2004, quando foi flagrado atuando como leão-de-chácara em boate envolvida em prostituição infantil. Processado por improbidade administrativa, foi exonerado no ano passado, perdeu os direitos políticos e teve de pagar multa no valor de dois salários mínimos.

Assim como Pequenino, também são réus em ações de improbidade administrativa Rodrigo Silveirinha, Anthony Garotinho, Benedita da Silva, Marcello Alencar, Núbia Cozzolino, Zito, entre outros. Mas, ao contrário do ex-comissário de menores, que hoje ganha a vida como flanelinha e porteiro de escola, nenhuma das ações contra os nomes citados chegou ao fim, com sentença definitiva.

O caso de Pequenino mostra que a desigualdade, já expressa em outros setores do Judiciário, se reproduz nas ações de improbidade. Levantamento parcial de processos ajuizados pelos Ministérios Públicos mostra que a Justiça está punindo os pequeninos com muito mais rigor e rapidez do que os poderosos.

No Brasil, há cerca de 12 mil ações de improbidade em andamento. No Rio de Janeiro, de acordo com a Associação do Ministério Público (Amperj), das 703 ações propostas pelo MP estadual desde 2001, apenas 19 (2,7% do total) tiveram trânsito em julgado. E a maior parte delas atinge servidores de baixo escalão.

Em São Paulo, como a maior parte dos estados, não se conhece o perfil do condenado. Porém, do total de ações propostas desde 1992, os integrantes da Promotoria de Defesa da Cidadania tentam restituir aos cofres um total de R$36 bilhões em dinheiro supostamente desviado por políticos e agentes públicos, dos quais apenas R$1 bilhão se encontra em execução. O restante ainda está tramitando, sujeito a recursos.

As ações propostas contra o ex-governador Paulo Maluf desde 2004, por exemplo, somam US$344 milhões.

Recursos emperram ações

A sentença definitiva contra o comissário de Volta Redonda saiu dois anos depois do início do processo. Destino diferente teve o processo ajuizado em 2003 contra o ex-governador Marcelo Alencar e outros réus por improbidade administrativa, em que nem sequer houve a notificação prévia dos réus. Eles são acusados de impor, no fim de governo, a agências de publicidade contratadas pelo governo, a subcontratação de agência de publicidade de Duda Mendonça, que, na mesma época, era responsável pelas campanhas publicitárias do PSDB.

Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) não tenha tomado, até agora, uma decisão definitiva sobre o foro privilegiado de autoridades e ex-ocupantes de cargos públicos, na prática juízes e desembargadores entendem que promotores de primeiro grau não têm legitimidade para processar integrantes do alto escalão público. Sobra apenas para os pequeninos.

- Existe este preconceito, embora a lei permita processar. Grande parte dos operadores da Justiça acha que tais ações deveriam começar no segundo grau, e não na primeira instância, como se estes réus pertencessem a uma casta dentro da República - lamenta o promotor Carlos Bernardo Alves Aarão Reis, diretor de Defesa de Prerrogativas da Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Carlos Bernardo acrescenta também como entrave a notificação prévia - notificação do réu para apresentar defesa prévia antes mesmo do recebimento da petição inicial pelo juiz. Na prática, explica ele, isso permite que se iniciem logo as manobras processuais (recursos, embargos de declaração, reclamações, etc) para obstar ou retardar ao máximo o recebimento da petição inicial e o início do processo:

- Isso possibilita aos réus que se escondam, evitando a citação, após o recebimento do processo, sem a qual a ação não caminha. Os réus, cientes do processo, podem passar a se esconder e transferir bens, destruir provas, ameaçar testemunhas.

Já o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo, disse que, se o Supremo entender que a competência é só da segunda instância, os processos serão nulos pela incompetência do juízo. Perde-se tudo, alerta, porque a prescrição ocorre em cinco anos.

- Neste quadro, não há a menor possibilidade de buscar o ressarcimento dos valores. Hoje, a grande dúvida é entender a natureza destas ações. Crime de responsabilidade tem natureza penal. O MP não briga contra o foro privilegiado para o crime de responsabilidade, mas a natureza da ação de improbidade é civil (perda do cargo, inelegibilidade e ressarcimento ao erário). Já no outro caso, a pena é de prisão. O objetivo é restabelecer prejuízos causados pelos maus administradores.