Título: O GRANDE NEGÓCIO VERDE
Autor: Albuquerque, Carlos
Fonte: O Globo, 01/04/2007, Ciência, p. 46

Neutralização das emissões de CO2 acena com lucros e consciência tranqüila.

Quando o assunto é aquecimento global, ficar neutro pode ser um bom negócio. Prática cada vez mais comum para compensar possíveis agressões ao meio ambiente por atividades industriais, corporativas ou até mesmo do dia-a-dia, o seqüestro ou a neutralização de emissões de carbono ¿ na maior parte dos casos, com o plantio de árvores ¿ é a onda verde do momento.

Às vésperas da divulgação de mais um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a ser apresentado no próximo dia 6, na Bélgica, todo mundo quer limpar as suas pegadas ecológicas. Há quem diga, porém, que trata-se de um paliativo para a consciência ou, até mesmo, de uma jogada de marketing.

¿ Há aquela história de que todo mundo deve ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore, não é? ¿ diz o engenheiro florestal Paulo Braga, diretor da empresa Max Ambiental, que desenvolve projetos de energia limpa e representa a marca CarbonoNeutro, ícone mundial das atividades neutralizadas. ¿ Ao menos aqui no Brasil, a idéia de neutralizar as emissões através do plantio de árvores, o que acontece em 90% dos casos em que atuamos, há um pouco dessa mentalidade. O que não quer dizer que isso seja necessariamente uma coisa ruim.

Al Gore neutralizou viagem ao Brasil

Quando veio ao Brasil, em outubro do ano passado, para fazer uma palestra em São Paulo e divulgar o seu livro e filme, ¿Uma verdade inconveniente¿, o ex-vice presidente americano e atual popstar da causa ecológica, Al Gore, neutralizou as emissões causadas por sua viagem. A confecção do livro, lançado pela editora Manole, também foi neutralizada com o plantio de 136 árvores ¿ o equivalente a 20 toneladas de dióxido de carbono (CO2) ¿ em São Carlos, SP.

O disco ¿A rush of blood to the head¿, do grupo inglês Coldplay, tocou a consciência do público quando foi anunciado como ¿livre de carbono¿, ou seja, neutralizado. Desde a sua edição de inverno 2007, realizada em janeiro, quando lançou o movimento Neutralize-se, a São Paulo Fashion Week desfila por aí com o selo ¿livre de carbono¿. A Copa do Mundo de 2006, realizada na Alemanha, um país tradicionalmente ligado às questões ambientais, foi um evento neutralizado. Um recente show do Rappa, em comemoração aos 20 anos da ONG SOS Mata Atlântica, também seguiu esse caminho.

¿ Quando um tema como o das mudanças climáticas passa do ostracismo para a grande exposição na mídia, como está acontecendo agora, as pessoas começam a se perguntar o que podem fazer para mudar esse quadro ¿ analisa Emilio La Rovere, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente da Coppe/UFRJ. ¿ É, sem dúvida, uma atitude positiva e saudável. Mas seria ingênuo acreditar que só o plantio de árvores vai resolver o problema.

Avaliação de efeitos deixa dúvidas

Para fazer o cálculo da neutralização do livro de Gore, foram contabilizadas pela ONG Iniciativa Verde as emissões causadas pelo uso de papel, tintas, vernizes etc. No caso de viagens aéreas, entram na conta as emissões causadas, por exemplo, pelo combustível do avião (uma tonelada de combustível emite três toneladas de CO2). E quando uma pessoa opta por se deslocar de carro, ela emite uma quantidade de carbono que também pode ser calculada e neutralizada.

¿ Pode-se neutralizar quase tudo. Até mesmo meia hora falando ao telefone ¿ explica Braga, que ajudou a neutralizar a corrida de aventuras Ecomotion/Pro, realizada no Rio, em novembro passado.

O plantio de árvores para equilibrar as emissões não se dá apenas por romantismo. As árvores precisam assimilar gás carbônico para fazer a fotossíntese. Assim, ao longo de sua vida, elas vão acumulando ¿ ou seqüestrando ¿ o carbono em sua estrutura.

¿ Plantar árvores é uma atitude bonita, mas as pessoas têm que entender que se trata de uma medida paliativa. Isso não pode virar um modismo ¿ conta Nuno Cunha e Silva, diretor do escritório brasileiro da empresa inglesa Ecosecurities, que atua em projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). ¿ Tem que ser feito um monitoramente extensivo, e caro, das áreas plantadas para saber se o seqüestro está sendo efetivo.

Há duas vias para ser feita a neutralização. Uma segue padrões oficiais, sancionados pela ONU e pelo Acordo de Quioto, e é utilizada por governos e grandes empresas que buscam créditos de carbono, que podem ser comercializados na Bolsa de Clima de Chicago. A outra, não oficial e aparentemente menos rigorosa, deixa o cálculo para ONGs, que fazem as contas da neutralização e sugerem formas de torná-la possível.

¿ Nossa preocupação é mostrar para o cliente que esse trabalho não é uma panacéia ¿ ressalta Braga. ¿ Nós fazemos cálculos rigorosos, que são aferidos por uma terceira parte, independente, e só cedemos o selo CarbonoNeutro quando ficar claro que o cliente vai assumir um compromisso. Se ele voltar a emitir carbono, perde imediatamente o direito de usar o selo.

Os céticos quanto ao plantio de árvores como forma de neutralização das emissões podem usar como argumento o lado B do exemplo dado pelo Coldplay: das 10 mil árvores plantadas pelo grupo na Índia, quatro mil morreram e passaram a emitir não apenas carbono, mas também metano (CH4), gás resultante da decomposição da matéria orgânica e que contribuiu para o aquecimento global.

¿ Estamos tentando incentivar a busca por alternativas para a neutralização que talvez sejam mais eficientes, como a adoção de um aterro sanitário ¿ diz Braga.

Segundo La Rovere, é louvável que o indivíduo, ao optar pela neutralização, esteja mostrando um valor e uma prioridade que podem e devem influenciar o mercado.

¿ Não há empecilhos, por exemplo, para que a indústria automobilística produza carros mais econômicos. É uma questão de debate e negociação ¿ explica. ¿ Mas existem causas estruturais que dependem de decisões políticas. O governo pode e deve ser pressionado para reduzir emissões, atacando o desmatamento, por exemplo.

Fazendo coro com Cunha e Silva, o engenheiro florestal Paulo Braga alerta para o perigo do modismo e da presença dos oportunistas nas atividades de neutralização.

¿ Como em todas as áreas, já estão surgindo os espertalhões ¿ reclama. ¿ Soubemos, recentemente, do caso de um cabeleireiro, de SP, que se juntou com um sobrinho, que seria biólogo, e abriu uma empresa de carbono zero. É a neutralização de balcão.