Título: Combustível para o PIB
Autor: Oliveira, Eliane e Tavares, Mônica
Fonte: O Globo, 01/04/2007, Economia, p. 33

Governo mapeia novas terras para etanol e projeta cerca de US$300 bi a mais até 2015

Eliane Oliveira e Mônica Tavares

Disposto a manter a liderança mundial em combustíveis de fontes renováveis, o Brasil já mapeou 12 áreas tecnicamente adequadas à expansão do plantio de cana-de-açúcar, matéria-prima para o etanol. O total disponível estimado para o plantio adicional da cultura é de 79,4 milhões de hectares, inseridos em 346 municípios, dos quais 38,2 milhões de hectares apresentam produtividade alta e média. Essas terras não têm impedimentos legais ou ambientais e, se plenamente utilizadas, poderão elevar o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) em US$250 bilhões a US$300 bilhões até 2015. O governo brasileiro tem interesse no assunto, afinal o etanol foi um dos temas da visita do presidente Lula aos EUA neste fim de semana.

O etanol produzido nessas áreas, estimado em 100 bilhões de litros ao ano, seria suficiente para substituir 5% da gasolina consumida no mundo - o que geraria esta transferência de renda.

Os ganhos seriam bem maiores levando-se em conta uma projeção até 2025: o acréscimo ao PIB brasileiro ficaria em torno de US$600 bilhões, tendo em vista uma produção de 200 bilhões de litros ao ano. Com o desenvolvimento de novas tecnologias, como a produção de etanol por celulose (bagaço de resíduos de cana, principalmente), haveria um acréscimo de 40% sobre o total produzido. Atualmente, o Brasil fabrica apenas cerca de 20 bilhões de litros de álcool por ano.

Os dados constam de um estudo coordenado pelo Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE), com a participação da Unicamp e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pelo levantamento, as áreas estão localizadas, especialmente, no Noroeste e no Oeste de São Paulo, no Triângulo Mineiro, no Leste do Mato Grosso e no Sul de Goiás.

Em estudo, incentivo para não degradar

Segundo o secretário-executivo do NAE, coronel Oswaldo Oliva Neto, essas áreas devem ser levadas em conta na nova política voltada para o etanol e outros combustíveis de fontes renováveis, que poderá incluir a criação de uma agência voltada exclusivamente para os biocombustíveis. Ele também defende que o plantio de cana que provoque a substituição de culturas deve ser desestimulado, com políticas de restrição ao crédito. A proposta está na mesa do presidente Lula.

- É preciso evitar a expansão desordenada da cana-de-açúcar no país e, para isso, temos áreas férteis sobrando - disse Oliva.

O assessor do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia do Ministério da Agricultura, José Nilton de Souza Vieira, destacou que uma das principais tarefas do governo federal é criar condições para que a expansão se dê da melhor forma possível. Uma alternativa seria conceder incentivos para quem quisesse explorar áreas que não afetem o meio ambiente ou que não provoquem substituições nocivas de culturas.

- Hoje, já existe um grande passivo para ser equacionado - acrescentou o técnico, referindo-se às áreas em que já houve grande desmatamento, como em São Paulo.

Um dos autores do estudo sobre o etanol, o pesquisador Eduardo Vaz Rossel, do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp, lembra que o Brasil tem o privilégio de ter áreas agricultáveis como nenhum outro país. E mais: no caso da cana-de-açúcar, o etanol entraria em regiões de desenvolvimento econômico relativamente limitado.

- Uma vez que se coloca o etanol, o perfil da região poderá mudar, graças a um efeito multiplicador, que inclui empregos, geração de renda e aumento da arrecadação de impostos - afirmou Rossel.

O pesquisador, entretanto, faz um alerta: é preciso um planejamento, um modelo organizado, que deve ser acompanhado com atenção pelo governo. Como toda atividade, o setor deve ser regulado.

O assessor técnico da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Ricardo Severo, disse que, atualmente, a cana-de-açúcar ocupa seis milhões de hectares. Em dez anos, a área aumentará para dez milhões de hectares, se for mantida a atual estrutura.

-- Nossa produtividade é grande. Não existe o risco de invasão de outras culturas, embora já esteja ocorrendo substituição na pecuária - observou Severo.

Plano inclui obras de infra-estrutura

Uma falha detectada no levantamento coordenado pelo NAE diz respeito a uma estrutura que possa fazer jus ao tamanho do mercado de etanol. Para Oliva, é necessário um projeto de Estado que tenha, entre as previsões, uma nova rede de dutos capaz de transportar mais de 100 bilhões de litros de etanol aos portos brasileiros.

- Também será necessário investir na melhoria das condições dos portos, de forma que eles recebam navios de grande porte - afirmou o secretário-executivo do NAE.

Em 2004, cinco portos brasileiros foram responsáveis pela exportação da maior parte dos 2,4 bilhões de litros de etanol vendidos ao exterior pelo país: Santos (SP), 58%; Maceió (AL), 18%; Paranaguá (PR), 18%; Cabedelo (PB), 5%; e Suape (PE), 1%.

Embora exista grande potencial de conquista de diversos mercados, como Japão, Coréia e Estados Unidos, a investida não será fácil. De acordo com Oliva, trocar gasolina por etanol tem um custo. Em sua opinião, nenhuma grande empresa petrolífera vai abrir mão de seu faturamento facilmente.

- Quando falamos que vamos tratar desse assunto em escala mundial, estamos dizendo o seguinte: vamos tirar um volume grande de petróleo do mundo. Não podemos nos esquecer que o jogo que vai começar a ocorrer é diferente do que tem sido jogado até agora. Temos que nos preparar para isto. É pouco provável que as grandes petrolíferas aceitem isto com naturalidade - alertou.