Título: Crescimento das províncias ameaça meta de desaceleração do PIB chinês
Autor: Scofield Jr., Gilberto e Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 01/04/2007, Economia, p. 35

Por questões econômicas e culturais, política de elevar juros não surte efeito.

PEQUIM e XANGAI. Na quarta-feira, o Banco de Desenvolvimento Asiático (BDA) divulgou a perspectiva de crescimento para a região avisando que a China vai crescer de modo mais moderado nos próximos dois anos por causa das medidas de desaquecimento da economia tomadas por Pequim. O país vai crescer 10% este ano e 9,8% em 2008 - bem acima dos 8% estabelecidos pelo primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, no discurso de abertura do Congresso Nacional do Povo.

As metas do governo, entretanto, são irreais, na opinião da maioria dos economistas. Por uma razão simples: apesar das tentativas do governo de restringir o crédito e adiar investimentos, as províncias não querem pisar no freio, especialmente as mais pobres do Centro e do Oeste do país. Para muitos, o temor de uma desaceleração rápida da economia chinesa não têm o menor fundamento.

- O governo central está preocupado em tentar substituir um padrão de crescimento rápido por um crescimento mais lento, porém melhor - diz Paul Cavey, do Macquarie, um dos maiores bancos de investimento da Austrália. - Mas as províncias não querem ouvir falar nisso. A idéia dos governadores é: agora que chegou a minha vez de me beneficiar das reformas, por que tenho de crescer menos?

Até o governo chinês sabe disso. Segundo um estudo divulgado a portas fechadas pela Academia de Ciências Sociais de Pequim, das 31 províncias, regiões autônomas e municípios centrais (como Pequim, Xangai, Tianjin e Chongqing), 22 têm metas de crescimento acima de 10% e quatro acima de 12%.

- O crescimento do PIB médio das províncias tem estado há muito tempo acima do nacional - diz Gao Huiqing.

Contrair empréstimos é constrangedor no país

A maioria dos economistas, no entanto acha que o frenesi com que as províncias se lançam em projetos de investimentos é subavaliado pelo governo, obrigado a fazer vista grossa para a elite política comunista local, que é a base de sustentação do governo.

Além de não conseguir controlar as províncias, o governo dispõe de poucos instrumentos para frear a economia. Os juros surtem pouco efeito, porque o crédito não faz parte da rotina dos chineses. O economista Zhang Jun, da Universidade de Fudan, em Xangai, diz que os investimentos das empresas chinesas são financiados por recursos próprios, e não por empréstimos em bancos.

Assim, a recente alta dos juros terá pouco efeito sobre a atividade industrial. Além disso, as pequenas empresas recorrem ao mercado informal, emprestando dinheiro entre si, explica o consultor Thomaz Machado, da China Invest. Para tentar diminuir o fôlego das companhias, o governo estuda agora exigir o pagamento obrigatório de dividendos, prática que não é comum na China.

Entre as famílias também não é usual pegar financiamentos. Estela Chen, brasileira filha de taiwaneses que mora há sete meses em Xangai, explica que na cultura chinesa é constrangedor pegar empréstimo. As estatísticas confirmam: segundo Sérgio Ribas-Câmara, chefe do escritório do Banco do Brasil em Xangai, numa população de mais de 1,3 bilhão de habitantes, há apenas um milhão de cartões de crédito em circulação.

Competição regional é acirrada por modelo político

O governo também sofre as conseqüências de um modelo de poder descentralizado. As províncias têm autonomia fiscal e brigam entre si para atrair investimentos. A alíquota de imposto de renda para empresas chinesas é de 33%. Mas, quando se trata de companhias estrangeiras, a maioria das províncias cobra 15% e, em alguns casos, há isenção. O governo tenta restringir a guerra fiscal e aprovou, no último Congresso Nacional do Povo, a unificação das alíquotas regionais do IR em 25%.

Zhang Jun explica que a competição regional é estimulada pelos critérios de ascensão dentro do Partido Comunista:

- A estrutura do poder é como um organograma empresarial. É promovido o chefe do setor que gera maior lucro, no caso, o governante da província com maior crescimento econômico. Cada região quer crescer mais que o seu vizinho.

(*) Correspondente, (**) Luciana Rodrigues viajou a convite do Instituto Euvaldo Lodi/CNI