Título: Caijing, uma revista investigativa, além do controle do governo chinês
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 01/04/2007, Economia, p. 36

Publicação investe em temas como a corrupção no sistema bancário.

PEQUIM. Na semana em que o Congresso Nacional do Povo da China se preparava para aprovar a regulamentação do conceito de propriedade privada, a revista de economia e negócios ¿Caijing¿ estava pronta para imprimir seus 225 mil exemplares quinzenais com um amplo artigo sobre a polêmica lei. O telefone tocou na sala da editora-chefe, Hu Shuli, de 52 anos, uma ex-redatora que costumava escrever propaganda para o jornal do Partido Comunista da China, o ¿Diário do Povo¿. Do outro lado da linha, um alto integrante do governo de Pequim pediu que a revista evitasse falar no tema. Afinal, argumentaram, o projeto ainda provocava um racha entre conservadores e reformistas dentro do próprio partido, com limites ainda não muito claros diante da Justiça (e da população).

Hu Shuli convocou seu grupo de 14 editores, que se negou a esquecer a matéria, mas, como sempre ocorre no conturbado relacionamento entre mídia e governo da China, optou por adiar a publicação da reportagem para a edição que está hoje nas bancas chinesas.

Abertura econômica estimulou imprensa

O episódio acima foi confirmado pelo vice-editor-chefe da ¿Caijing¿, Yang Daming, e ilustra bem o poder que tem hoje a maior e mais influente revista de economia e negócios da China.

¿ Nossa intenção é buscar o debate e deixar as decisões para o leitor ¿ diz Yang. ¿ Talvez porque a revista tenha nascido em 1998, um período conturbado, ainda marcado pela crise asiática, que acabou se refletindo pelo mundo e até no Brasil. Nosso objetivo, como naquela época, é explicar com clareza os fenômenos econômicos e financeiros. É claro que existem limites, mas buscamos avançar sempre no debate.

Em entrevista ao jornal ¿New York Times¿, Hu Shuli admite que sua experiência no Partido Comunista ajudou-a a criar uma revista investigativa que vai além das discussões autorizadas pelo próprio governo, que controla com mão de ferro a mídia do país.

¿Nós vamos até o limite, e podemos até forçar um pouco. Mas nunca os ultrapassamos¿, disse ela na entrevista.

Com 54 jornalistas (14 editores) contratados de outras publicações econômicas ou das melhores universidade de jornalismo do país, a ¿Caijing¿ é publicada pelo Conselho Executivo das Bolsas de Valores, instituição ligada ao governo. Nem por isso deixa de tocar em assuntos evitados por muitos grande jornais diários, como manipulações de papéis no mercado financeiro, corrupção no sistema bancário e até a reação lenta do governo em epidemias de saúde pública que machucam seriamente os negócios na China, como a da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) em 2003.

¿ A parte crítica é apenas um aspecto de nossas reportagens, que são sempre multifacetadas. Não fazemos reportagem apenas para criticar, mas para informar e dar clareza ¿ diz Yang Daming.

A fórmula parece ter agradado à elite dos negócios e da academia na China, que forma a maioria dos leitores da revista, a preferida entre o público que compra publicações de economia no país. Quase 70% das vendas são por assinatura, a um público de poder aquisitivo elevado e formador de opinião.

Outro bom motivo para a independência da revista é sua alta taxa de anúncios. Dos cerca de 80 milhões de yuans (US$10,3 milhões) faturados em 2006, 80% vêm de anúncios. A ¿Caijing¿ é a segunda maior revista em faturamento publicitário, perdendo apenas para a ¿Forbes China¿. Na média, cerca de 60% das páginas da revista são de conteúdo editorial e 40%, de publicidade.

A credibilidade do trabalho jornalístico é o pilar da publicação, diz Yang, num país onde não é difícil ver empresas dando dinheiro para repórteres escreverem histórias positivas. A revista tem um código de ética que proíbe presentes e até a compra de ações de empresas. Em compensação, os salários da ¿Caijing¿ estão entre os maiores do mercado chinês: entre 7.500 yuans (US$970) e 8.000 yuans (US$1.034).

Para alguns analistas do setor de mídia chinês, ajuda também a decisão do próprio governo de estimular as reformas econômicas voltadas para o mercado e para a modernização da economia, por meio de uma maior tolerância com a imprensa especializada em finanças e negócios. Algo impensável para revistas semanais de informação que tratam de temas mais espinhosos como política, religião ou diplomacia.