Título: Pai do Proálcool faz um alerta contra a desnacionalização do etanol
Autor: Melo, Liana
Fonte: O Globo, 01/04/2007, Economia, p. 34

Bautista Vidal critica lentidão do governo nos biocombustíveis e EUA.

¿Não admitiremos um outro Japão ao Sul do Equador¿. A frase dita nos idos dos anos 70 pelo então secretário de Estado americano Henry Kissinger martela até hoje na cabeça do físico José Walter Bautista Vidal. O mundo ainda se recuperava do primeiro choque do petróleo quando esse baiano surpreendeu a todos com uma idéia genuinamente brasileira: o Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, em 1974. O então presidente Ernesto Geisel apostou na idéia.

Três décadas depois, o Proálcool, que colocou o Brasil na liderança dos países produtores de etanol, volta aos holofotes. A idéia genuína do passado, que suscitou a frase de Kissinger, está sendo revisitada e hoje é apontada como a opção número um para substituir o petróleo como matriz energética do mundo. Aos 72 anos, Vidal, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e pai do Proálcool, tenta proteger a cria de um novo golpe.

¿ Ou seremos uma sociedade próspera ao adotar um desenvolvimento autônomo ou um mega-Haiti, ao entregar aos investidores externos o controle da produção e da comercialização do maior programa energético renovável do mundo ¿ dispara.

Parceria com os EUA é via de mão única

A visita do presidente americano George W. Bush ao Brasil, em março, para conversar com Luiz Inácio Lula da Silva sobre etanol, irritou Vidal. Em menos de três semanas, os dois presidentes já se reuniram duas vezes. A última foi ontem, em Camp David, nos Estados Unidos.

¿ Não existe parceria onde o Brasil entra com tudo e os Estados Unidos com nada. Reunimos as quatro condições essenciais para produzir etanol: sol, água, terra e tecnologia. Não precisamos dos americanos. O que eles estão fazendo aqui é uma invasão, semelhante à do Iraque. Só que lá com bombas, e aqui, com dólares ¿ dispara.

Seu maior temor é o de que os Estados Unidos transfiram a tecnologia do Proálcool lá para fora. Foi na década de 80 que o programa começou a perder força quando o preço do açúcar subiu e o do petróleo caiu no mercado internacional.

No fim de 2006, Vidal se encontrou com Lula. Durante a campanha eleitoral do segundo turno, eles ficaram em campos opostos. É que o ex-secretário de Tecnologia Industrial - ele ocupou o cargo por três vezes, a primeira delas no governo Geisel ¿ emprestou suas idéias, já traduzidas em 14 livros, ao candidato derrotado do Prona, Enéas Carneiro. O físico saiu do encontro convencido de que Lula está mal assessorado.

Estaria faltando, segundo ele, vontade política para transformar o país na potência energética no século XXI. A meta do governo é substituir 10% dos combustíveis líquidos consumidos no mundo até 2025. Só que, para isso, é preciso aumentar a produção de álcool dos atuais 17 bilhões de litros anuais para 200 bilhões de litros. O consumo mundial é de 1,7 trilhão de litros por ano.

¿ É compreensível a lentidão do governo, mas indesejável ¿ admite Rogério Cerqueira Leite, que apóia parcialmente as críticas de Vidal. Professor da Universidade de Campinas e membro do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico, da Unicamp, ele faz parte do grupo formado pelo governo para estudar os biocombustíveis. Segundo ele, o governo terá que investir R$20 bilhões por ano para viabilizar a meta até 2025.

Apesar de o Ministério da Ciência e Tecnologia estar envolvido na questão, o mesmo não vem ocorrendo em outras pastas, como a de Agricultura, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e Casa Civil, admite Cerqueira Leite.

`Equívocos na área de combustíveis¿

Enquanto isso, o pai do Proálcool já articula a campanha ¿A biomassa é nossa¿. Ele garante que vem conseguindo adeptos. Nacionalista de carteirinha, o slogan remete ao histórico movimento ¿Petróleo É Nosso¿, que mobilizou o país nos anos 40 e 50.

¿ É um sonho imaginar que o Brasil será o celeiro de biomassa do mundo. Os equívocos da política energética do governo estão localizados na questão elétrica, não na área de combustíveis ¿ cutuca Luiz Pinguelli Rosa, coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia), da UFRJ.

Vidal não dá ouvidos às argumentações em contrário e insiste que para o Brasil não repetir os erros do passado, é necessário criar uma empresa só para cuidar do etanol. A Petrobras, diz ele, tem que ficar de fora.

¿ Estamos em sintonia com o que vem ocorrendo no mundo. As grandes empresas de petróleo estão se transformando em empresas de energia, como fizemos em 2000 ¿ pontua Mozart Queiroz, gerente de Desenvolvimento Energético da Petrobras.

É aí que morre o perigo, diz Vidal, convencido de que o pecado capital do país é comportar-se como colônia e não valorizar as idéias genuinamente brasileiras.