Título: 'É preciso reaparelhar a Marinha brasileira'
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 02/04/2007, O País, p. 3

Novo comandante reclama da falta de recursos e cobra R$2,7 bilhões dos royalties do petróleo que foram retidos

O novo comandante da Marinha, almirante Júlio de Moura Neto, assumiu queixando-se da falta de recursos para poder comprar e reformar navios e submarinos. Ele disse que o orçamento de seu comando é insuficiente para a tarefa de vigia marítima. Moura Neto reclama do fato de o governo reter recursos dos royalties do petróleo a que a Marinha tem direito. Estão retidos cerca de R$2,7 bilhões. O comandante afirmou ainda que a falta de recursos vai afetar o programa nuclear brasileiro e atrasar a construção do primeiro submarino nuclear do país, que considera fundamental para defender a soberania nacional nos mares. Especialmente para fazer a defesa das bacias petrolíferas. "O submarino é um grande fator de dissuasão", diz.

Quais as prioridades do senhor no comando da Marinha?

JÚLIO DE MOURA NETO: O programa de reaparelhamento da Marinha, que precisa estar perfeitamente dimensionada para atender a suas responsabilidades. A importância do mar para o Brasil em números é grandiosa. Passam pelas nossas águas 95% de todo o comércio exterior, toda a importação e exportação, tudo que compramos e vendemos. São cifras de US$226 bilhões. Como via de navegação, sua importância é fundamental. Alcançamos a auto-suficiência do petróleo, ano passado, e 85% do petróleo sai do mar. Temos o gás, temos a pesca, o turismo. E a Marinha é que cuida da segurança da vida humana no mar. Se ocorrer algum acidente, é a Marinha que salva. Cuidamos da segurança da navegação. Combatemos a poluição. Estamos atendendo às chamadas novas ameaças, como os crimes transnacionais, o contrabando, o tráfico de drogas e de armas, o terrorismo.

O orçamento destinado à Marinha é suficiente?

MOURA NETO: Nos últimos dez anos o orçamento da Marinha tem sido insuficiente. Com o orçamento insuficiente, não conseguimos fazer manutenção correta e adequada de navios e aeronaves. Entramos numa curva descendente, que precisa ser revertida. Daí o programa de reaparelhamento. A bem da verdade, e para ser bastante justo, nesses últimos anos, no primeiro mandato de Lula, houve uma melhoria no nosso orçamento. O previsto este ano é de R$1,2 bilhão. Mas essa melhoria não foi suficiente para reverter esse quadro.

Quais as atribuições e tarefas mais atingidas pela insuficiência do orçamento para a Marinha?

MOURA NETO: O patrulhamento de nossas águas. As linhas da fronteira do mar são imaginárias. Não tenho navios em quantidade suficiente para vigiar nossas águas. Principalmente para fazer a defesa das bacias petrolíferas. Essa riqueza é muito grande e é preciso evitar que barcos cheguem perto das plataformas. São 4,5 milhões de quilômetros quadrados. É um espaço muito grande.

Em seu discurso de posse, o senhor criticou a retenção, pelo governo, do dinheiro de royalties a que a Marinha tem direito.

MOURA NETO: Os royalties da Marinha estão previstos em duas leis. Trata-se de recursos para que a Marinha possa justamente manter os meios necessários para a defesa marítima. Este ano teríamos direito a R$1,4 bilhão, mas estamos recebendo R$550 milhões. Ou seja, R$850 milhões estão retidos, contingenciados. Cada ano um montante de dinheiro é contingenciado, e esse valor já chega a R$2,7 bilhões.

O que poderia ser feito com esse dinheiro?

MOURA NETO: Poderíamos tocar nosso programa de reaparelhamento tranqüilamente. Até 2012, a primeira parte do programa tem um custo previsto de R$5,6 bilhões.

Em que poderiam ser gastos todos esses recursos?

MOURA NETO: Na construção de mais um submarino e na modernização dos atuais. Para construir novos navios patrulhas, de escola, e para comprar helicópteros. Temos cinco submarinos - quatro construídos no Brasil e um comprado na Alemanha. Queremos mais um, e quem constrói é o Arsenal da Marinha do Rio. O tempo de construção é de seis anos. Os atuais cinco estão todos voando, mas existe necessidade de modernizar.

A quantas anda o programa nuclear da Marinha?

MOURA NETO: Está em curso. A Marinha investe no seu programa nuclear desde 1979. São dois projetos. E o primeiro, que é o domínio do ciclo do enriquecimento do urânio, já está completo. A tal ponto que já fazemos centrífugas para a INB (Indústrias Nucleares do Brasil), que já está produzindo combustível para as usinas de Angra dos Reis (RJ). O segundo projeto é a construção de um reator nuclear, também com tecnologia totalmente brasileira. O reator vai ser capaz de produzir energia elétrica. Essa fase está bem avançada e deverá estar concluída em oito anos. Serão necessários R$130 milhões por ano para concluir o reator, que vai produzir a propulsão para o nosso submarino nuclear.

Como está esse projeto do submarino nuclear?

MOURA NETO: Após o término dessa fase, que será a construção da planta nuclear, vamos nos dedicar ao submarino. Existe um longo caminho a percorrer. Mas já temos o know-how para construir um submarino convencional, o que é um passo importante.

Qual a razão de construir um submarino nuclear?

MOURA NETO: Ele é um grande fator de dissuasão. As Forças Armadas, hoje, não precisam ter um inimigo perfeitamente definido. Precisam é ter capacidade para dizer o seguinte: que nosso país está perfeitamente equipado, com homens perfeitamente treinados e equipamentos funcionando perfeitamente. Isso faz com que os outros países não queiram se envolver conosco, não queiram afetar nossa soberania, nem nossos interesses. Como ele fica sob a água e é de difícil localização, torna-se um forte fator de dissuasão. (Evandro Éboli)