Título: Aeronáutica irritada com desautorização
Autor: Doca, Geralda e Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 02/04/2007, Economia, p. 14

Comando espera sinal de Lula de apoio à FAB e aguarda abertura de inquérito militar.

BRASÍLIA e RIO. O Comando da Aeronáutica está profundamente irritado com a saída adotada pelo governo para contornar a crise no setor aéreo e espera um sinal claro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reforçar a autoridade do comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), brigadeiro Juniti Saito. Na avaliação dos militares, a posição de Saito foi seriamente abalada pela negociação do governo com os controladores de vôo, que na FAB têm patente de sargento.

Os militares aguardam também para as próximas horas a abertura de um inquérito pelo Ministério Público Militar, para apurar responsabilidade na greve dos controladores, enquanto ainda pertenciam ao quadro das Forças Armadas. O MPM chegou a ser acionado pelo Comando da Aeronáutica, na sexta-feira à noite, para prender os controladores grevistas, mas a operação foi abortada por determinação do presidente Lula, que decidiu negociar uma saída pacífica. Entretanto, na visão dos militares, o Ministério Público é um órgão independente e deve garantir o cumprimento da lei, abrindo um inquérito para apurar os responsáveis pela paralisação do sistema de tráfego aéreo brasileiro por cerca de cinco horas e as conseqüências desse movimento - tudo isso à luz do estatuto dos militares, que estabelece rígidas normas de conduta e punições.

Controladores vão aguardar a decisão do governo até amanhã

A interferência de Lula, no momento em que já estava em andamento a ordem de prisão do Comando, foi muito mal recebida por oficiais da FAB, que entenderam a atitude do governo como interferência inaceitável na hierarquia militar e na autoridade do comandante Saito.

- A FAB aguarda agora um fato novo, condição para que o comandante volte a comandar - resume uma fonte graduada da Aeronáutica.

O nível de irritação é tamanho que setores do Alto Comando chegaram a ver na ação do governo uma ação orquestrada de setores do Executivo para desmoralizar as Forças Armadas quando se comemoravam os 43 anos do golpe de 64. Segundo setores da FAB, o movimento dos controladores e o atendimento a suas reivindicações, às vésperas do aniversário do golpe (31 de março), não seria coincidência.

Independentemente da motivação, o fato é que a interferência do governo na crise interna dos militares os abalou. Do ponto de vista operacional, os controladores de vôo militares que se rebelaram e aderiram à paralisação estão fora da Força Aérea, segundo ficou acertado no acordo fechado pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Preocupado com a insatisfação de setores das Forças Armadas, o Palácio do Planalto já decidiu no fim de semana reforçar publicamente a imagem do comandante Saito, com Lula tendo citado nominalmente o brigadeiro em entrevista em Washington, no último sábado. Assessores e ministros do governo também ressaltaram a participação de Saito no desfecho da crise. Foi essa a razão de o Planalto ter deixado que o Comando da Aeronáutica divulgasse a nota sobre a decisão do governo de desmilitarizar o controle aéreo brasileiro.

O Planalto percebeu, ainda na noite de sexta-feira, que a situação era delicada e que podia gerar uma crise de autoridade. Foi por isso que, assim que chegou em Washington, às 22h30m de sexta-feira, Lula falou pelo telefone com Saito sobre sua decisão de negociar com os controladores. A mesma preocupação marcou a reunião que terminou na madrugada de sábado, no Palácio do Planalto, e estabeleceu a necessidade de medida provisória para a desmilitarização do setor.

Segundo o presidente da Associação dos Controladores de Vôo do Rio, Jorge Oliveira, os controladores vão trabalhar normalmente até amanhã, quando se reúnem com o governo para formalizar os acordos feitos:

- Aí, então, veremos o que será feito.

COLABORARAM Gerson Camarotti e Bruno Rosa