Título: Sem comando
Autor: Doca, Geralda e Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 02/04/2007, Economia, p. 14

Aeronáutica já deixou o controle do tráfego comercial e órgão civil ainda não existe.

Adesmilitarização negociada pelo governo com os controladores grevistas deixou o serviço de controle de tráfego aéreo do país sem comando. Desde a manhã de sábado, quando a Aeronáutica comunicou a suas unidades que só responderá pelo movimento nas torres exclusivamente militares (Bases Aéreas) e Centros de Operações Militares (Copm), os sargentos que monitoram os vôos da aviação civil passaram a agir por conta própria. Os oficiais da FAB não têm mais o comando de todos os Cindactas (Brasília, Manaus, Curitiba e Recife), segundo revelou um militar da Aeronáutica.

Com o sistema acéfalo, qualquer mudança no procedimento de controle aéreo não pode ser realizada, incluindo atividades de rotina, como retirar de operação um radar para manutenção. Apesar disso, garantiu um oficial de alta patente, a segurança em vôo não está prejudicada porque o sistema está operando normalmente, e os equipamentos estão com manutenção em dia.

Entretanto, se a situação persistir por mais de 30 dias, o país poderá enfrentar algum tipo de problema, alerta uma autoridade. Um descontrole no setor poderá até prejudicar a imagem do Brasil no exterior e fazer com que companhias estrangeiras tenham receio de voar para o país.

O governo trabalha contra o tempo e já está com o texto da medida provisória que desmilitariza o setor praticamente pronto. A idéia é fechar os termos numa reunião hoje no Palácio do Planalto e apresentar o texto final aos controladores de vôo amanhã. A MP criará um órgão vinculado ao Ministério da Defesa para assumir o comando do serviço de tráfego aéreo.

Segundo um oficial da FAB, em alguns órgãos de controle, os sargentos estão criando suas próprias escalas de serviço e já se articulam na escolha dos novos chefes, civis. Em Recife, os controladores já não estão mais usando farda.

- A situação foi constrangedora para os oficiais que trabalharam no fim de semana. Foram cumprimentados só por uma questão de educação. Ninguém decide, ninguém comanda, não existe mais chefia - contou um militar.

A mudança de comportamento começou depois da intervenção direta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na crise com os controladores de vôo do Cindacta-1 (Brasília), que decidiram na noite de sexta-feira parar os principais aeroportos do país. Lula desautorizou a ordem de prisão aos grevistas, dada pelo Comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, e mandou que se fechasse um acordo com os rebelados. A cúpula da Aeronáutica ficou irritada e, na madrugada de sábado, considerou que só caberia entregar o controle da aviação civil. Os militares que exercem essa função vão virar civis, subordinados a um órgão a ser criado pelo Ministério da Defesa.

Para Infraero, interesse público ficou arranhado

Na avaliação de integrantes do governo, tanto os emissários de Lula que fecharam o acordo com os grevistas quanto a FAB agiram com precipitação. Em outros países, a desmilitarização demorou, no mínimo, dois anos.

- Foi uma briga de gato, todo mundo saiu arranhado, inclusive o interesse público - disse o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, para quem a pior fase já passou.

O problema agora será a montagem do novo modelo sob o comando da Defesa, substituindo o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), que respondia pelo controle do espaço aéreo, para abrigar a nova categoria.

- O problema é que o sistema não é só o controlador e a console, mas uma estrutura gigantesca e cara - disse o brigadeiro.

O Decea é responsável por formação de pessoal, manutenção de equipamentos e estações meteorológicas. O órgão conta ainda com especialistas em informações aeronáuticas, além de contratos com nove centros de controle internacionais, na América do Sul e na Europa. Uma estrutura dessa, segundo Pereira, não sai por menos US$400 milhões.

Em uma demonstração de que a desmilitarização não será fácil, oficiais da FAB informavam ontem que haverá problemas a contornar. Já que não serão mais sargentos da FAB, os controladores não terão mais acesso ao sistema de defesa aérea, que funciona em paralelo ao monitoramento de tráfego comercial.

Por decisão do comando da Aeronáutica, os controladores serão tratados como civis e terão acesso restrito ao local de trabalho. Ou seja, enquanto os militares - agora apenas os que trabalham na defesa aérea - continuam com acesso e visão de todo o espaço aéreo, os civis terão acesso apenas às áreas indispensáveis ao desempenho de suas funções.

O Comando da Aeronáutica ficou reunido por mais de sete horas no sábado para discutir a crise e questões como a administração, a partir de hoje, dos dois sistemas de tráfego aéreo, que já estão funcionando na prática.