Título: Meia-volta, volver
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 03/04/2007, O Globo, p. 2

Problemas que passam da hora de ser resolvidos acabam produzindo novos e mais graves problemas. Se ao governo do presidente Lula só faltava uma crise militar, ele a propiciou na sexta-feira ao se contrapor à prisão dos controladores de vôo em greve, que fora pedida pelo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito. A violação da hierarquia causou vasto e profundo mal-estar na Aeronáutica. Tudo porque o governo, incluindo a FAB, demorou demais a encontrar solução para a crise na aviação civil. Para restaurar a hierarquia ferida e debelar a crise, Lula tratou ontem de recuar tentando parecer que não voltava atrás.

Foi duro com os controladores, na declaração matinal, chamando-os de irresponsáveis, e encontrou-se a solução militar para a questão disciplinar: os controladores insurretos serão processados pela Justiça Militar, mesmo que desligados da Aeronáutica. Medidas complementares serão anunciadas hoje, no esforço para debelar a inquietação dos quartéis, para usar este termo que devia estar banido do nosso vocabulário.

Tudo porque o governo brincou com o tempo. Depois de seis meses de crise no setor, foi pego de calças curtas, sem informação sobre o que se passava em área que, por tudo que vinha acontecendo, devia estar sendo monitorada; sem plano B ou C, para o caso de uma greve dos controladores, sem qualquer alternativa prática e política. Quando a greve estourou e os sargentos-controladores fecharam o tráfego aéreo, Lula ficou entre a cruz e a caldeirinha. A contra-ordem às prisões criou este grave problema militar. Se deixasse o pau quebrar, o que teria acontecido, já que os controladores não têm substitutos? Possivelmente teríamos o caos prolongado e a insegurança generalizada. Mas tempo o governo teve para arranjar "reservas", nem que fosse importando controladores.

Na duas reuniões de ontem com Saito, o presidente admitiu que sua contra-ordem às prisões feriu a autoridade do comandante e a hierarquia; mas também fez suas cobranças: há meses pediu diagnóstico e providências à Aeronáutica, que nunca lhe apresentou a insatisfação dos controladores como causa de tudo. Ora era o radar, ora o software, ora os equipamentos....

Leite derramado, o esforço de ontem era para restaurar a autoridade do comandante da Aeronáutica e afastar o risco de novas manifestações de indisciplina, como temem os comandantes das outras duas armas. Depois da declaração de Lula contra os "irresponsáveis", o Ministério Público Militar deu entrada no pedido de processo contra os sargentos-grevistas. O governo prometeu que não haveria punições, mas pode alegar que não manda na Justiça Militar. Mesmo desligados da Aeronáutica, eles serão processados, podem ser condenados e presos. Isso resolve parcialmente a questão militar, mas ainda é pouco, diante da desfeita sofrida por Saito, dizia importante brigadeiro. Outras medidas serão anunciadas hoje. As Forças Armadas querem mais que afagos. Como comandante-em-chefe das Forças Armadas, ele pode desautorizar qualquer ordem ou decisão militar. Mas não uma que foi dada para manter a disciplina, contra aqueles que violavam a lei. Militares não podem fazer greve.