Título: Panos quentes
Autor: Camarotti, Gerson e Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 03/04/2007, Economia, p. 17

Lula recua e dá sinal verde a inquérito contra militares. Controladores ameaçam greve.

OPalácio do Planalto recuou ontem para contornar a grave crise institucional com as Forças Armadas, provocada pela decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de impedir as prisões dos controladores de vôo amotinados, desautorizando o Comando da Aeronáutica, embora acredite que tomou a única decisão possível para contornar a crise. Ainda pela manhã, Lula chamou os grevistas de irresponsáveis, no programa semanal de rádio, gravado no domingo, mas os sinais do Planalto em busca de um entendimento continuaram ao longo do dia. E o mais significativo foi o aval informal dado à decisão do Ministério Público Militar de abrir um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar se houve crime militar na ação dos grevistas.

Na sexta-feira, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, havia garantido aos rebelados que os amotinados não seriam punidos.

Ontem, o presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo - que representa os controladores aéreos civis -, Jorge Botelho, disse que a categoria decidiu, em assembléia, por um indicativo de greve, ou seja, o trabalho poderá ser suspenso a qualquer momento. O dirigente da Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo, Ulisses Fontenele, afirmou, por sua vez, que os controladores não farão uma nova paralisação.

O presidente se reuniu ontem com os chefes das três Forças - Exército, Marinha e Aeronáutica - e o ministro da Defesa, Waldir Pires, após receber relatos que os comandantes estavam solidários a Juniti Saito, da FAB.

Para comandantes, "abalo de autoridade"

No encontro, os comandantes alertaram o presidente para o que chamaram de "abalo de autoridade", com repercussão não apenas para o Comando, mas para os demais níveis hierárquicos das Forças e o próprio presidente. Os comandantes acreditam que a reação de Lula no programa de rádio já foi uma forma de valorização da autoridade das Forças. Um desfecho ainda mais satisfatório seria uma declaração à Nação, mas o Palácio negou esta possibilidade.

Lula, segundo fontes com acesso à reunião, reconheceu que, ao tomar sua decisão no exterior e em pouco tempo, não tinha noção clara das conseqüências. Por isso, resolveu subir o tom com os controladores.

O recuo do governo poderá ter reflexos na velocidade de desmilitarização do controle do tráfego aéreo. Isso porque, com o sinal verde do governo, o IPM pode ir fundo na investigação dos controladores, pedindo até prisões. E militares presos ou em processo de expulsão não podem ser funcionários públicos.

Na avaliação de militares de alta patente do Exército, o episódio dos controladores e a decisão de Lula de impedir as prisões dos amotinados na sexta-feira afetaram os pilares básicos de hierarquia e disciplina. Além disso, a gratificação aos sargentos da FAB criaria problema para toda a estrutura de cargos e salários das três Forças.

Para contornar a crise, Lula também se encontrou separadamente com o comandante Saito e Waldir Pires, no Planalto. Nesses encontros, Lula disse que não tinha alternativa, para justificar a decisão de negociar com os amotinados. E também atribuiu responsabilidade à Aeronáutica, lembrando que havia dado seis meses para que a solução da crise, o que não houve.

Na reunião ministerial pela manhã, o presidente deixou claro o seu descontentamento com a greve. De acordo com relato de dois ministros presentes, Lula disse que iria endurecer com a categoria e relatou que fora surpreendido com o motim aéreo quando sobrevoava o Oceano Atlântico.

"Não podemos ficar reféns de nenhuma categoria. Se preciso for, vou pedir ajuda de fora", teria dito o presidente, segundo um ministro.

Lula não quer passar a imagem de que está do lado dos controladores, pois considera a reação dos profissionais exagerada. Mas continua a acreditar que não tinha saída. Segundo um interlocutor do presidente, os oficiais militares já tinham perdido a autoridade antes do motim. Lula lembrou que a FAB ajudou a exaltar os ânimos, ao tomar medidas como a transferência de líderes dos sargentos.

Outro problema que o presidente Lula quer resolver é a saída do ministro da Defesa, Waldir Pires. O presidente já decidiu que a situação dele no governo é insustentável, mas busca uma saída honrosa para o amigo.

Já o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, responsabilizou o governo e os controladores de vôo pelo caos. Para ele, todos os órgãos envolvidos no controle do trafego aéreo falharam nos últimos meses, porque perderam o timing na condução das negociação:

- Isso poderia ter sido resolvido com um diálogo mais franco, com solidariedade - disse o brigadeiro, lembrando que a interferência de Lula nas negociações é legítima, e a decisão do presidente como comandante supremo não fere a hierarquia militar.

O tenente-brigadeiro, Ivan Frota, presidente do Clube da Aeronáutica, ameaçou entrar com ação direta de inconstitucionalidade, se o governo tirar os militares do controle aéreo.

COLABOROU Lino Rodrigues

MINISTRO DO STF CONSIDERA GREVE CRIMINOSA, na página 18