Título: Para especialistas, governo teve um apagão gerencial
Autor: Guedes, Ciça e Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 05/04/2007, O País, p. 3

Caos no setor aéreo mostrou também a falta de habilidade do presidente para administrar crises, dizem historiadores.

Acrise no setor aéreo, que se arrasta por seis meses e culminou com o motim dos controladores de vôo que paralisou os aeroportos, revelou, para historiadores e cientistas políticos, outro apagão: o da capacidade de gerenciamento e articulação política do governo neste segundo mandato. Eles dizem que, sem a proteção de articuladores como os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda) e Aldo Rebelo (Coordenação Política), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a tomar as decisões sozinho e, contaminado por sua visão de sindicalista, tem cometido erros, com conseqüências políticas graves.

- Aquilo tudo que foi disfarçado no primeiro governo, porque havia anteparos entre o presidente e o mundo político, agora, no segundo governo, aparece. Lula era muito protegido. No episódio do apagão aéreo, ele se comportou como presidente da CUT, mandou ministro negociar com uma categoria que estava em greve. O presidente tem uma visão sindical do mundo. Ele não fez a migração para o universo da articulação política, e está muito sozinho - afirma a historiadora Lucia Hippolito.

Outra característica do presidente apontada pelos especialistas é a morosidade na tomada de decisões. O estilo de Lula foi comparado ao do ex-presidente e atual senador José Sarney (PMDB-AP), que também tinha o hábito de esperar que os problemas se resolvessem por si próprios.

- Lula tem tanta admiração por Sarney que administra as crises ao estilo do senador: leniente, incapaz de decidir, vacilante, sem pulso. Quase pede desculpas quando decide. Não entende que qualquer decisão acaba sempre desagradando a alguns. Imagine se Lula fosse o primeiro-ministro da Inglaterra em 1939... Teria convidado Hitler para assistir a um jogo em Wembley. Lula, no campo das decisões, é o anti-Geisel. Ele não sabe conviver com a pressão - diz o historiador Marco Antonio Villa, professor da Universidade Federal de São Carlos.

- Para Sarney, havia dois tipos de problema: os que não tinham solução e os que se resolviam por si próprios. Sarney tinha o discurso de que a Constituição deixou o país ingovernável. Ele se escondia por trás disso o tempo todo - completa o cientista político Emil Sobottka, da PUC do Rio Grande do Sul.

JK traçava metas e cobrava resultados

O professor Francisco Carlos Teixeira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que o melhor parâmetro para mostrar os problemas da gestão de Lula é o governo de Juscelino Kubitschek, a quem o próprio petista gosta de se comparar, por causa do "espetáculo do crescimento" e do perfil de conciliador:

- O JK que fez os 50 anos em cinco nunca confiou nas estruturas burocráticas formais. Seu governo foi baseado nos famosos GTs, os grupos de trabalho. Teve o GT da Novacap (para a construção de Brasília), o GT da indústria automobilística. JK traçava as metas, os grupos executavam, e ele cobrava os resultados. Lula simplesmente manifesta a vontade de que as coisas aconteçam, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o fim do apagão aéreo, mas não cria os mecanismos de cobrança e de realização. E é preciso lembrar que Juscelino fez tudo em um único mandato.

Na comparação com o antecessor Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os especialistas divergem. Para Sobottka, o tucano não teve habilidade ao manter no cargo o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, até o desfecho da crise da desvalorização cambial, em janeiro de 1999.

- A rigor, toda a política econômica do seu governo foi deixada nas mãos do Malan (Pedro Malan, ministro da Fazenda). Na briga entre monetaristas e desenvolvimentistas, Fernando Henrique não conseguiu sinalizar, com clareza, por onde o governo deveria ir. No caso do câmbio, já havia sinais da crise, mas ele preferiu manter o presidente do Banco Central.

A cientista política Maria Celina Soares D"Araújo, no entanto, acha que Fernando Henrique tinha a capacidade de diminuir o impacto das crises. E lembrou que ele demitiu assessores próximos, como o então chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, por causa de uma troca de farpas públicas com Malan.

- Fernando Henrique tinha que dar respostas e dava. Ele demitia os ministros quando havia suspeitas. Em seu governo, as crises sempre saíam menores do gabinete dele. Ele tomava as decisões mais rapidamente que Lula. O presidente Lula não toma providência, fica protelando uma solução e minimizando o problema. Quando as coisas se complicam, ele sai de cena e põe a culpa em outros - diz ela.

Da lista de ex-presidentes, Fernando Collor de Mello, segundo Sobottka, era o mais destemido na hora de tomar uma decisão, ainda que fossem equivocadas. Collor ignorava o Congresso e se viu isolado durante a crise que acabou em seu impeachment:

- Collor tomava decisões sem medo. Logo que assumiu, anunciou o confisco da poupança e tomou decisões duras na economia.

Para o historiador da UFRJ, Lula não conseguiu quadros de excelência para gerenciar seus projetos no governo. Francisco Carlos lembra que Ernesto Geisel, o quarto presidente da ditadura militar, que tinha perfil executivo, lançou mão de funcionários da direção da Petrobras, que nomeou para ministérios e autarquias. O petista optou por concentrar poderes em poucas mãos, em pessoas com perfil mais político que executivo:

- Dirceu teve muito poder, depois Lula passou a usar a habilidade de Aldo Rebelo e está sobrecarregando a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de perfil executivo. O presidente enfrenta agora uma forte solidão.

Já o último presidente da ditadura, João Figueiredo, preferiu tocar as políticas já deixadas por Geisel, sem deixar sua marca. No episódio do atentado no Riocentro, em que um militar morreu e outro ficou ferido, ele não mandou investigar.

Durante seu governo, Geisel tomou decisões que desagradaram à linha dura militar, que defendia a manutenção da ditadura, e abriu caminho para a abertura. Depois da morte do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho, torturados na prisão, ele demitiu Ednardo D"Ávila Mello, então comandante do II Exército.

Dificuldades para lidar com aliados

Além da crise do apagão aéreo, lembram os especialistas, Lula também teve dificuldades para tomar decisões durante o escândalo do mensalão, quando se disse traído, sem citar nomes. Ministros como Dirceu e depois Palocci (no episódio do caseiro) só saíram do governo quando não tinham mais condições de ficar, sem terem sido demitidos pelo presidente. Agora, em relação ao motim dos controladores, a quem prometeu não punir, Lula também afirmou que se sentiu apunhalado pelas costas.

- Esse motim dos sargentos lembra a crise do mensalão: o governo se diz perplexo, não sabe o que fazer, diz que vai resolver e que está tudo bem. Depois as coisas tomam uma dimensão maior - diz Maria Celina.

A historiadora Isabel Lustosa acha que o presidente ainda hesita entre seu estilo de líder sindical e seu papel de chefe da nação. Para ela, Lula tem dificuldade de lidar com o "o conflito entre os seus companheiros". Lustosa lembra o episódio da eleição para a presidência da Câmara, no qual o presidente inicialmente apoiava Aldo Rebelo, mas não tentou impedir a vitória do petista Arlindo Chinaglia (PT-SP):

- Parece que, com eles (com os companheiros), Lula mantém relação mais de camaradagem do que de autoridade. O exemplo mais flagrante dessa dificuldade foi a maneira como ele tratou a questão da presidência da Câmara, deixando Aldo Rebelo ir para o matadouro sem tomar uma atitude mais firme no sentido de garantir a eleição de um aliado seguro.

Os especialistas dizem também que Lula usa a estratégia de fritar os aliados, jogando a responsabilidade pelas crises nos colos deles, para sair sem arranhões dos escândalos.

- A batata quente voltou para a Aeronáutica - diz Maria Celina.

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COLLOR: SEM NEGOCIAÇÃO

Fernando Collor assumiu o governo apostando na relação direta com os eleitores e desprezando a negociação com os partidos e a interlocução com o Congresso. Quando tentou se aproximar do Parlamento, na CPI do PC, era tarde

-------------------------------------------------------------------------------- FH: DESLIZE EM CÂMBIO E ENERGIA

Fernando Henrique ficou conhecido pela capacidade de reduzir as crises e não vacilava em demitir assessores, mas demorou a reagir no caso do fim da âncora cambial em 1999 e foi pego de surpresa no apagão elétrico

-------------------------------------------------------------------------------- FIGUEIREDO: SEM MARCAS

O general João Figueiredo, último presidente do ciclo militar, deu continuidade às políticas do antecessor, Geisel. No caso do atentado no Riocentro, não pressionou pela investigação

-------------------------------------------------------------------------------- GEISEL: DEMISSÃO DE MILITAR

Quarto presidente da ditadura militar, Ernesto Geisel demitiu o general Ednardo D"Ávila do comando do II Exército após vários episódios, iniciados com a morte, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog, em 1975

-------------------------------------------------------------------------------- JK: USO DO CAPITAL POLÍTICO

O presidente que tinha como lema fazer 50 anos em cinco estabelecia metas, como a construção de Brasília, criava os grupos de trabalho (montados fora da estrutura burocrática oficial) e cobrava resultados de seus integrantes

-------------------------------------------------------------------------------- SARNEY: FRACASSO DO CRUZADO

Tendo falhado na implantação do plano de estabilização da moeda, José Sarney fez uma gestão marcada pela pouca iniciativa: costumava debitar na conta da Constituição de 1988 as dificuldades que enfrentou no governo