Título: Alguns enigmas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 06/04/2007, O Globo, p. 2

Motim, indisciplina, insubordinação, quebra de hierarquia, unidade das Forças Armadas. Diante dessas e outras expressões que invadiram o discurso político esta semana, os muito jovens podem não sentir a fisgada do trauma. Mas sim os que conviveram com elas no passado - agora se vê que não tão passado -, decifrando o sentido que assumiam em ordens-do-dia e falas de generais. Palavras amenas, como "perdão" e "paz nos céus", apareceram ontem na nota dos controladores de vôo. Todos recuam, mas continuamos nos perguntando: como puderam ir tão longe?

Faltam respostas para muitas perguntas, para muitas situações enigmáticas. Agora, se tudo correr bem até o domingo de Páscoa, os controladores terão mostrado que estão mesmo dispostos, como disseram, a recuperar a confiança e o respeito da sociedade. Mostram-se humildes, conscientes da responsabilidade, e até defenderam os princípios que violaram, disciplina e hierarquia. Ora, então, temos que perguntar por que esses sargentos patriotas fizeram tudo o que fizeram nestes últimos seis meses? Antes de cometerem o desatino de sexta-feira passada, levando o presidente a buscar a saída equivocada que levou à reação dos militares, eles já vinham fazendo operações padrão. Já era forte a suspeita de que sabotavam equipamentos. Estão assustados. Anteontem, os oficiais os trataram com muita hostilidade. No fim do dia, houve ordem superior para que pegassem mais leve.

Se tudo correr bem até domingo, a Aeronáutica terá mostrado sua eficiência no comando do setor. Mas aqui surge outra pergunta: por que só agora, se a Aeronáutica nunca deixou de comandar o tráfego aéreo, empacado há seis meses? Depois que Lula recuou do acordo com os grevistas e deu carta branca ao comandante Saito, anunciou-se que a FAB voltara a controlar o setor. Ela só deixou de fazer isso por algumas horas. Os oficiais abandonaram os Cindactas no sábado, em protesto contra a promessa de desmilitarização imediata feita aos controladores. Essa indisciplina - abandono do posto - não foi tratada como tal.

E por que a Aeronáutica não montou antes seu plano B? No calor da hora, na sexta-feira fatídica, foi perguntado ao comandante Juniti Saito se, prendendo os amotinados, ele teria substitutos para restaurar o tráfego aéreo. Disse que não. Se as prisões não fariam os aviões decolarem, era melhor então dialogar, teria dito o presidente, em outras palavras, autorizando o ministro Paulo Bernardo a buscar a negociação. Do erro contido nessa decisão já se falou muito, relacionando-a com uma visão sindicalista que o presidente teve de uma delicada questão de Estado. Mas não dá para entender por que a Aeronáutica não identificou e atacou há mais tempo o foco do problema.

Outra pergunta: em que mundo andavam os serviços de inteligência do governo? Sabe-se, agora, que pelo menos dois parlamentares fizeram chegar na sexta-feira de manhã, a diferentes figuras do governo, a informação que viera do meio militar: os controladores iriam parar no início da noite. Se tais informações tivessem sido verificadas pela Abin, o governo poderia ter agido ao longo do dia e evitado o pior.

Mas, por ora, fiquemos com as palavras da nota dos sargentos: paz nos céus e feliz Páscoa.