Título: Um ano depois, todos impunes
Autor: Castro, Luiz Cláudio e Vizeu, Rodrigo
Fonte: O Globo, 06/04/2007, O País, p. 3

Relatório da CPI dos Correios pediu indiciamento de 124, mas até hoje ninguém foi punido.

No dia 5 de abril do ano passado, a CPI dos Correios aprovava o relatório final do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), que recomendou o indiciamento de 124 pessoas acusadas de envolvimento em irregularidades em empresas estatais e no esquema operado pela cúpula do PT juntamente com o empresário Marcos Valério de Souza, o chamado valerioduto. Passado um ano, até agora ninguém foi preso e nenhum dos 40 denunciados pela Procuradoria-Geral da República, que classificou o grupo de "sofisticada organização criminosa", foi condenado pela Justiça. Um dos poucos que sofreram algum tipo de punição, mas apenas política, foi o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, acusado de chefiar o esquema do mensalão. Ele continua inelegível, mas trabalha por uma anistia para voltar à vida pública.

Quando recebeu a denúncia do procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, o relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, alertara para as dificuldades que teria pela frente. Segundo ele, seriam necessários pelo menos dois anos para apreciar a denúncia, sem contar as medidas protelatórias que poderiam ser apresentadas pelos envolvidos. O relator admitiu que o caso poderia acabar em prescrição dos crimes, sustentando que o STF não tem estrutura para investigar todos os denunciados em um prazo razoável.

Relator da CPI ainda acredita em punição

Um ano depois, pouca coisa andou e a expectativa é que se confirme a previsão da prescrição, sem punição.

- Não vamos terminar esse processo antes que se conheça uma prescrição - previu na época o ministro Cezar Peluso, concordando com o colega em sessão do plenário do STF.

No relatório, Serraglio reconhecia o pagamento de mesada a parlamentares em troca de voto nos projetos de interesse do governo e pedia o indiciamento de dirigentes do PT como José Genoino, Luiz Gushiken, Delúbio Soares e Silvio Pereira, além de José Dirceu. Genoino, que se afastou da presidência do PT em meio ao escândalo, foi reeleito em outubro para a Câmara.

O ex-deputado José Janene (PP-PR), acusado de receber R$4,1 milhões, driblou a cassação recorrendo a intermináveis licenças médicas, que lhe proporcionaram mais de um ano de afastamento do Congresso. Não se elegeu em outubro, mas esta semana foi escolhido suplente de tesoureiro de seu partido.

Um ano depois, Serraglio diz ter uma sensação de dever cumprido e, apesar do pouco retorno dos órgãos que deveriam dar continuidade às investigações, afirma não acreditar na impunidade dos 124 citados.

- Nós esgotamos o que podíamos fazer e apresentamos toda a documentação. Esse pessoal não vai sair impune. Uma hora serão achados pela Justiça. Basta ver que a Polícia Federal confirmou todas as denúncias - disse o deputado, que hoje integra a Mesa Diretora da Câmara.

"A Justiça não anda mais", diz professor

Serraglio minimiza a falta de atenção que o relatório da CPI recebeu até agora de órgãos federais. Segundo ele, algumas estatais, como a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, adotaram medidas contra os acusados.

- Alguns tomaram medidas sim. Fui recentemente aos Correios e me entregaram um relatório mostrando que há investigação e que eles estão alterando procedimentos para enfrentar a corrupção. A Controladoria-Geral da União (CGU) e a PF também estão fazendo sua parte. Um ano para um cidadão comum é muito, mas, nos meandros da administração e na Justiça, é pouco.

Para o cientista político Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), a morosidade ocorre porque as CPIs no Brasil têm pouca capacidade de investigação:

- A CPI é um instrumento de uso político, em geral da oposição, para criar um embaraço para o governo. Tem a função de mexer em assuntos muito pontuais e obrigar o governo a fazer mudanças de rotas. Serve mais para enviar sinais do que para investigar - afirma.

Mas Caldas não concorda com a visão otimista de Serraglio de que, mesmo lenta, a Justiça acabará punindo os citados pela CPI:

- Não é que a Justiça seja lenta. Ela simplesmente não anda mais - afirma, sem esperança.

No relatório de 1.828 páginas, apenas duas citam o presidente Lula. Serraglio se limitava a relatar que o deputado cassado Roberto Jefferson (PTB), que denunciou o mensalão, e os deputados José Múcio (PTB-PE), hoje líder do governo, e Aldo Rebelo (PCdoB-SP) contaram ter falado do esquema ao presidente.

"Como é de sabença, não incide, aqui, responsabilidade objetiva do chefe maior da Nação, simplesmente, por ocupar a cúspide da estrutura do Poder Executivo, o que significaria ser responsabilizado independentemente de ciência ou não", diz o relatório assinado por Serraglio.

* do Globo Online

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