Título: Brasil pode perder liderança no setor de etanol
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 06/04/2007, Economia, p. 20

Relatório de especialistas adverte que falta de contato entre o segmento de pesquisa e a indústria prejudica o país

José Meirelles Passos

WASHINGTON. A liderança do Brasil na área do etanol hoje é inquestionável, mas não imbatível. O país enfrenta um ambiente altamente competitivo no setor de biocombustíveis. "Há um verdadeiro perigo de o país se tornar um grande produtor e exportador, mas deixar de se manter à frente em termos de inovação".

Esse é o alerta básico contido num volumoso estudo (660 páginas) obtido pelo GLOBO. Ele foi encomendado pela Comissão Interamericana de Etanol (CIE), co-presidida pelo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luis Alberto Moreno, pelo ex-governador da Flórida Jeb Bush e pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.

"O Brasil está numa encruzilhada", adverte o estudo, enumerando uma série de desafios que o país enfrenta e que podem ser obstáculos significativos para manter a liderança no setor. O eixo da questão seria "a falta de conexão entre o setor empresarial e o de pesquisas, e a falta de uma estratégia nacional coordenada e coesa".

País precisa investir US$4 bi anualmente

"A manutenção da liderança do Brasil está longe de ser garantida. De fato, em 2005 os Estados Unidos suplantaram o Brasil na produção total de etanol", destaca o informe. Naquele ano a produção brasileira cresceu quase 6%, enquanto a dos EUA e de outros países produtores de etanol subiu 21%. Em 2006 estima-se que os americanos produziram 18,2 bilhões de litros, mas o Brasil não deve passar de 17 bilhões de litros.

Segundo os especialistas, a decisão de concentrar esforços em biocombustíveis é uma escolha complexa, que dependerá do estabelecimento de prioridades pelo governo. Será essencial investir pesado, com dinheiro próprio - tanto estatal quanto do setor privado nacional - e atrair fundos internacionais. O Brasil, afinal, precisará de cerca de US$60 bilhões para atingir a meta de triplicar sua produção até 2020.

Estima-se que são necessários entre US$3 bilhões e US$4 bilhões anuais para expandir a capacidade de produção de etanol, além de mais US$1 bilhão em infra-estrutura - mais pesquisa e preparação de mão-de-obra especializada. A expansão das unidades de pesquisa demandará profissionais qualificados. O problema é que o Brasil hoje forma 0,08 engenheiro por cada mil pessoas, enquanto os EUA formam 0,20, a União Européia, 0,33 e a Coréia do Sul, 0,80, lembra o estudo.

"O atual sistema de pesquisas da universidade no Brasil carece tanto de uma cultura de espírito empresarial como de conexões com a indústria. (...) Essa falta de conexão tem resultado numa subutilização dos recursos humanos do Brasil no campo de pesquisa e desenvolvimento e é uma grande barreira ao crescimento da atividade inovadora", afirma o estudo.

Além disso, o investimento é baixo. O Brasil gasta menos do que 1% do Produto Interno Bruto em pesquisa e desenvolvimento, em comparação com mais de 2,5% em EUA, Japão, Alemanha e Coréia. E, no Brasil, o setor depende muito do Estado. O setor privado responde por apenas 42% do dinheiro gasto em pesquisa - índice de 64% nos EUA e 73% no Japão.