Título: 'Convocação de CPI é provocação'
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 08/04/2007, O País, p. 3

PERSONAGENS DA CRISE

Advogado e amigo de Lula que atuou em negócios aéreos diz, porém, que quer depor.

Roberto Teixeira, de 63 anos, 27 deles na advocacia, não ficou conhecido pelas ações de seu escritório, mas por ser uma espécie de eminência parda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sempre nos bastidores de escândalos mal explicados, desde o caso Cpem, em 1997. Teixeira ressurge agora, na esteira da possível instalação da CPI do Apagão Aéreo, citado pela oposição por causa de seu envolvimento em negócios no setor. Esteve em três dos mais polêmicos negócios aéreos brasileiros recentes: a venda da Varig para a Gol, a montagem da VarigLog e ainda a falência da Transbrasil, com a Target Aviação ainda ocupando um hangar disputado em Congonhas. Teixeira esteve ao lado de Lula e do dono da Gol, Nenê Constantino, no acerto para a compra da Varig, aprovada a toque de caixa pela Anac. Irritado com o que ele chama de "ilações de invejosos", Teixeira diz ter motivos de sobra para colecionar processos contra detratores, como o jurista Hélio Bicudo, o economista Paulo de Tarso Venceslau e jornalistas em geral. Não gosta de dar entrevistas. Segundo ele, por ter sido vítima de muitas ilações. Na semana passada, porém, recebeu O GLOBO para uma entrevista gravada, em seu escritório, diante de testemunhas. Em quase duas horas de conversa, disse que tem "orgulho desse compadrismo" com Lula, de quem se considera quase um parente. E desafiou a CPI do Apagão Aéreo. Disse que quer depor, mas pretende aproveitar para mostrar o trabalho que faz como advogado no setor aéreo. Segundo ele, não será uma "convocação", mas mais uma "provocação" da oposição, por causa do compadrismo com o presidente Lula.

Soraya Aggege

É muito difícil ser padrinho do Luiz Cláudio, filho do presidente Lula?

ROBERTO TEIXEIRA: Difícil é suportar as ilações em função disso. Principalmente de uma parte do jornalismo, que vê nisso alguma coisa de ilícito, de ilegal. Mas ser padrinho dele é uma delícia, nosso relacionamento é de pai para filho.

E como começou essa sua amizade com o então sindicalista Lula?

TEIXEIRA: Nos idos de 81. Fui presidente da associação dos advogados de São Bernardo, secretário da OAB lá, tesoureiro, duas vezes presidente... Em 81 eu era, creio, presidente ou vice da OAB de São Bernardo, e tivemos uma atuação em alguns projetos da prefeitura (administrada pelo PT). Por conta disso, nos aproximamos do sindicato e daí surgiu um convite para que fôssemos auxiliar o PT, recém-nascido. Fomos, e logo conheci Lula.

Como aconteceu essa amizade?

TEIXEIRA: A empatia surgiu naturalmente. Lula é um gênio político e pessoalmente, se diria que ele é um "encantador de serpentes". Desde aquela época nos tornamos muito amigos. Em 82, houve algo que a imprensa nunca relatou. Fiz a alteração do nome do Lula. Fui eu quem requereu a inclusão do nome Lula em Luiz Inácio da Silva, e fiz para toda a família dele.

O senhor foi um aliado do projeto político de Lula ou era uma relação mais pessoal?

TEIXEIRA: Entrei no PT em 81, e me filiei em 82. De 82 até 86 fiz a política partidária. Mas depois de 86 não mais fiz a militância partidária.

E a filiação foi mantida?

TEIXEIRA: Nunca me desfiliei, sempre tive muito orgulho de ter participado desse projeto político.

Depois, a partir de 97, o seu nome passou a ser vinculado a escândalos com Lula, prefeituras petistas, Cpem... Como foi isso? Houve algum rompimento depois disso?

TEIXEIRA: Não. Primeiro, alguns fatos que ficaram provados: a empresa não era do meu irmão (Dirceu Teixeira), que era advogado da empresa. Minha relação era de irmão do advogado da empresa. Havia uma intenção política nessas denúncias. Dessas acusações, tivemos três expedientes: uma no PT, que encaminhou o processo inteiro para o Ministério Público. O Ministério Público não abriu procedimentos porque entendeu que não havia fundamentos. No PT, fui inocentado e, a pedido meu, foram abertas duas comissões de sindicância, uma contra mim e outra contra Paulo de Tarso (Venceslau). Ao final, Paulo de Tarso foi expulso, porque não agiu com ética e lisura, e eu fui inocentado. Agora, a decisão veio corroborada pelo MP. Fora isso, houve algumas ações contra empresa e prefeituras, nas quais nunca fui parte passiva. E todas foram julgadas legais. E tudo transitou em julgado.

O que essa história causou na sua relação com o presidente Lula?

TEIXEIRA: Para felicidade minha, absolutamente nada. Porque o Lula sabe da verdade, o tempo todo ele soube, teve a oportunidade de dizer que tem consciência de que foi um movimento político interno no partido para ataques pessoais e que se valeram do veículo Roberto Teixeira para alcançá-lo. Poucas pessoas no mundo me conhecem tão bem quanto o próprio Lula. Ele sempre soube da minha inocência e em nenhum momento alterou a relação de amizade por conta disso. Falo isso com orgulho. Ele não é uma pessoa que sacrifique a verdade.

E como foi a sua aproximação do setor aéreo? Foi com a Transbrasil?

TEIXEIRA: Na verdade, entre 88 e 89 fui procurado pelo doutor Omar Fontana, que me pediu para ingressar com uma ação, em nome dele, contra a Fundação Transbrasil. Isso teve consequências importantes, pois essa ação garantia a Fontana o controle acionário da empresa, que estava em processo de transferência para os empregados. Ele retomou a empresa e me convidou, talvez por generosidade ou amizade, para compor o Conselho (Administrativo) da Transbrasil. E aceitei. Fiquei até 2000, 2001. Então conheci e me tornei conhecido no setor aéreo.

O senhor atendeu a Nova Varig?

TEIXEIRA: Também fui procurado pelo grupo da VarigLog, que necessitava dos nossos préstimos com um pool de advogados, quatro ou cinco escritórios, com focos de trabalho específicos. Atuamos judicialmente o tempo todo, e nosso trabalho está posto, para que qualquer um possa verificar a excelência dele.

Como foi a compra pela Gol?

TEIXEIRA: Sabemos que a VarigLog adquiriu a Varig. Atuamos desde então nesse processo junto à Vara de Recuperação de Empresas do Rio. Em um dado momento fomos chamados para estruturar juridicamente um negócio que foi entabulado por terceiros, que não nós. Fizemos a estruturação jurídica. Não tive interferência comercial.

O senhor tinha algum relacionamento com os Constantino?

TEIXEIRA: Não. Algum relacionamento social, mas não comercialmente. Ao contrário. Eu tinha um processo em que atuei contra a Gol.

O presidente Lula teria pedido a Constantino que comprasse a Varig. E, além disso, o processo de venda foi acelerado na Anac. O senhor conversou com o presidente sobre eles?

TEIXEIRA: Olha, vou reinterpretar aquilo que jornalistas deveriam ter feito. O que o Constantino disse foi que uma vez teria encontrado o presidente Lula num elevador e o presidente lhe disse: "Oh, veja se salva a Varig!". Olha, é o tipo da frase que se fala a qualquer momento, em qualquer lugar. Eu, Roberto Teixeira, nunca soube dessa conversa, a não ser agora. E muito menos que o start tenha sido em função disso. Se você for se lembrar, a Gol, a TAM, estiveram na Varig na época e não participaram do leilão. Eu nunca tive conhecimento da intenção da Gol de adquirir a Varig.

Quando o senhor entrou, já estava em andamento...

TEIXEIRA: Aí entra o meu sigilo profissional. A única coisa que posso afirmar, sem infringir meu código de ética, é que soube da negociação no instante em que recebi a tarefa de estruturar juridicamente o negócio.

O senhor estava presente na reunião em Brasília com Constantino e o presidente Lula.

TEIXEIRA: Sim, foi uma apresentação pública. E me parece que o governo demonstrou aceitação. Porque significa, na verdade, a solução definitiva da questão Varig.

O senhor nunca conversou com o presidente sobre o assunto Varig?

TEIXEIRA: Conversei com ele e com o mundo inteiro: "Olha só que problema, que coisa, olha só o que está acontecendo". Fala-se o normal.

E da Varig-Gol?

TEIXEIRA: Não, não. Varig-Gol só soube naquele momento e fiquei sob sigilo profissional. Não tem como falar para ninguém.

Outros pontos que têm sido falados sobre sua atuação no setor aéreo dizem respeito à Transbrasil, à Target, ao hangar em Congonhas. Tem sido afirmado inclusive que sua filha, Valeska, (a advogada Valeska Teixeira, no caso Transbrasil) tem usado até da amizade com dona Marisa para mostrar influência, desde o casamento em que a primeira-dama e Lula foram seus padrinhos... O que o senhor tem a dizer sobre tudo isso?

TEIXEIRA: Primeiro é lamentar profundamente que alguém possa levantar tamanha calúnia contra minha filha. Ela jamais, jamais agiu dessa forma. A mentira é tão grande que, no curso daquela notícia, a colocaram jantando, ou almoçando com a primeira-dama quando ela estava viajando. É uma mentira deslavada. E no direito, a pior prova é a prova negativa. Fica difícil provar o que não existiu. A competência extraordinária da Valeska nessa área incomoda muita gente.

É que ela é afilhada...

TEIXEIRA: Sem dúvida que é afilhada. Ora, isso não se constitui crime no Brasil. Numa CPI eu desafiei os jornalistas. "Senhores: verifiquem se em seu rol de amigos há alguém com possibilidade de se tornar presidente da República. Se tiver, corte a amizade, porque daqui a 25 anos isso se tornará crime e você terá que responder por isso pelo resto da vida". Como, em 84, quando batizei o filho do Lula, tive segundas intenções?

As críticas partem principalmente por causa da ajuda financeira que o senhor dava ao presidente Lula.

TEIXEIRA: Desculpa, mas nunca dei ajuda financeira.

Um apartamento...

TEIXEIRA: Isso não é ajuda financeira. Certas coisas, você explica, torna a explicar, mas ninguém entra no mérito para conferir. Volto então a repetir: em 89, Lula era candidato a presidente, a cúpula da campanha nos pediu para localizar um imóvel para Lula se mudar. Ele morava numa casinha onde meio paralelepípedo lançado pela janela já poderia atingi-lo... E ele sentava-se, pegava o telefone e ficava de costas para a janela. Procuramos e não achamos. Eu tinha uma casa desocupada há dois anos. Lula não queria se mudar e disse que não mudaria. Resistiu bastante, porque é muito tradicionalista, adorava a casa dele. Até hoje as questões de segurança são inoportunas para ele. Foi a única coisa. Depois ele comprou um apartamento, e a vida seguiu normalmente.

Em função dessa amizade, está na iminência de ser aprovada uma CPI do Apagão Aéreo e o senhor pode ser convocado. O senhor irá?

TEIXEIRA: Com certeza. Tranquilamente. Até porque não vejo sentido na minha convocação, a não ser provocação. Convocação deveria se chamar "provocação". Mas irei e com prazer. Sabe por quê? Vou falar da minha profissão, daquilo que faço todos os dias. A minha atuação é fácil. Vão os senhores jornalistas, conversem com especialistas, analisem os processos que fizemos. Verifiquem. Somos advogados de calos no cotovelo e no umbigo, de balcões. Não sou advogado que não advoga. Se eu tiver que ser chamado, irei lá contribuir com tudo o que posso para o assunto. Da minha atuação é fácil. Mais que isso é só irem lá constatar as inúmeras petições.

Outro ponto de crítica é com relação ao Celso Cipriani e a Target, por causa da Transbrasil e do hangar da empresa.

TEIXEIRA: Não sou advogado do Cipriani. No tempo em que a Transbrasil funcionava, ela liberou uma área para que a Target se constituísse nas entranhas dela. Mas a relação da Target passou a ser diretamente com a Infraero, que cobra da Target a locação do imóvel.

Uma sublocação...

TEIXEIRA: Não, a Target paga diretamente para a Infraero. É um negócio como tantos outros. É evidente que Antonio Celso Cipriani (ex-agente do Dops que herdou a Transbrasil do sogro, Omar Fontana) foi demonizado ao longo dos últimos tempos, e é sempre bom para chamar a atenção colocar o nome dele, que nem mais tem o controle acionário há longa data.

Mas e o fato de a Infraero não conseguir recuperar o hangar? Não seria influência dos Teixeira?

TEIXEIRA: Não. A Transbrasil foi ré numa ação de reintegração de posse, em que a autora é a Infraero, que saiu vitoriosa. É simples. É ir no processo. A Transbrasil não detém hoje um único metro quadrado de área. A relação que existe é Target com Infraero. Não passa pela Transbrasil. Sou advogado da Transbrasil, ela é ré, perdeu. O que tenho para responder a você? Não tem nada que me relacione a isso. Não sou advogado da Target, do Cipriani.

Alguns funcionários da Infraero afirmam que já foi muito comum o senhor chegar pressionando pela liberação de hangares...

TEIXEIRA: Toda minha ação foi judiciosa, baseada em ações. Lutei desesperadamente para manter a unicidade da empresa. Muitas vezes a Infraero descumpriu decisões judiciais. Nossa luta era alguém adquirir a empresa e cumprir os compromissos. Eu me tornei até persona non grata, por causa da disputa pela Transbrasil, contrariei interesses. Mas defendi meu cliente.

O senhor conversou com o amigo ou com o presidente sobre isso na época?

TEIXEIRA: Falava. E o que eu falava era público e notório. Tenho ainda gosto de cabo de guarda-chuva na boca por não ter conseguido salvar a Transbrasil. Tenho quatro pontes de safena e digo que três devo à Transbrasil. Agora, o que o advogado vai falar com o presidente? Vai falar com o juiz. Tanto que a Transbrasil não foi salva.