Título: Milícias, a nova etapa do crime no Rio
Autor: Amora, Dimmi e Autran, Paula
Fonte: O Globo, 08/04/2007, Rio, p. 18

Chamados de paramilitares na Colômbia, eles ajudaram a aumentar a violência no país.

Eles chegaram como solução. Vistos como salvadores da pátria, deram proteção à população que precisava e tiveram a condescendência do governo para atuar, já que combatiam os chamados criminosos. Para realizar seu trabalho, cobravam um preço, que a cada dia se tornava maior. A descrição acima pode parecer a do que está acontecendo no Rio hoje, com a chegada dos milicianos às favelas. Mas se refere ao crescimento dos grupos paramilitares na Colômbia, há pouco mais de uma década.

A história desses paramilitares tem origem no passado coronelista do país. Até a primeira metade do século XX, havia na Colômbia uma guerra política entre conservadores e liberais. Estes lutavam por ideais como a reforma agrária, e se associando ao narcotráfico contra os primeiros.

¿ Quando surgem as guerrilhas, elas atacam primordialmente os latifundiários e grandes empresários. Estas classes começam a formar então grupos paramilitares, compostos por militares do próprio estado ou gente tolerada por ele, que fazem parte da estrutura ¿ explica Marianna Olinger, pesquisadora que foi observadora da Organização dos Estados Americanos (OEA) na Colômbia, em 2006.

Gratificação faroeste também ocorreu na Colômbia

No Rio, na década de 70, grupos de matadores atuavam com vigor, driblando as investigações da época. Mas sem a mesma motivação política e ideológica de nossos vizinhos. Recentemente, com o crescimento do poder do tráfico, os policiais passaram a se organizar em milícias, para dominar territórios antes sob o domínio do tráfico.

Formadas por policiais e ex-policiais, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e militares, os grupos paramilitares controlam mais de 90 favelas no Rio. Em abril do ano passado, eram 42. Eles expulsam traficantes e cobram taxas de proteção de moradores e comerciantes.

A disputa pelo território é a causa principal dessa nova guerra. Em fevereiro, os confrontos se acirraram. No dia 16, pelo menos 40 bandidos da favela Vila Vintém, em Padre Miguel, atacaram lojas em Campo Grande. Na semana anterior, nove pessoas foram mortas, quando traficantes invadiram a Favela Kelson¿s, na Penha e mataram três pessoas. No dia 10 daquele mês, dois corpos foram encontrados na Vila Joaniza. Já na Cidade de Deus, as tentativas de invasão são organizadas pelos milicianos, que tentam tomar a área dominada por traficantes.

Suspeito de chefiar a milícia de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, o policial civil Félix dos Santos Tostes, de 49 anos, foi assassinado no dia 22 de fevereiro, no Recreio.

Já na Colômbia, nos anos 60, o governo fez uma lei permitindo que grupos privados fossem treinados pelo Exército, até com armas exclusivas dos militares. Segundo Marianna, o estado perdeu o controle: os grupos cresceram muito e passaram a agir de forma arbitrária.

Entre as ações que aproximam Brasil e Colômbia, quando o assunto é o incentivo à violência de milícias e paramilitares, Marianna destaca a gratificação faroeste, implementada no Rio pelo então governador Marcello Alencar (que premiava policiais por atos de bravura), e a lei colombiana que dá aos militares prêmio e promoção a quem mata inimigos.

Segundo o professor Alvaro Moreno, da Universidade de los Andes, em Bogotá, Cúcuta e Barranquilla ¿ duas cidades de população acima de um milhão de habitantes, próximas a pontos de escoamento da droga para fora da Colômbia ¿ os paramilitares foram responsáveis pelo aumento da violência, cujos índices dobraram.

Os picos de taxas de homicídios nas grandes cidades colombianas são registrados justamente no início da década de 90. Em Medellín, a taxa pulou de 181 por cem mil habitantes em 1986 para 381 por cem mil em 1991. Além dos paramilitares, vários fatores, como crises econômicas, são apontados como responsáveis pelo crescimento da taxa, que vem baixando significativamente desde então, e chegou em 2005 a 55 por cem mil.

Maurício Rubio, economista que faz pesquisas na área de violência na Colômbia, afirma em uma delas que os grupos criminosos que atuavam em Bogotá eram responsáveis diretos pelo crescente número de homicídios na capital do país na década de 90.

¿ É difícil separar o que é droga e o que não é. Mas o fato é que estes grupos brigam por territórios, o que é um fator de aumento da violência, na Colômbia ou em qualquer país.

Os paramilitares levaram mais violência a Ciudad Bolivar

A chegada dos paramilitares ajudou a tornar ainda mais caótica a vida em Ciudad Bolivar, uma favela com mais de 800 mil moradores e dez vezes maior que a Rocinha, a maior favela carioca. Manolo Cabezas, de 23 anos, fez parte dos grupos armados da favela. Segundo ele, os grupos brigam entre si por pontos e os territórios são demarcados. Moradores de um lado não podem cruzar para o outro. Perguntado quem atua na favela, ele tem a resposta pronta:

¿ Na favela, temos um mercado persa de jovens que são recrutados a cada instante para o crime por traficantes, guerrilheiros, paramilitares e gangues. A vida é um inferno. E ainda tem a polícia, que é violenta.

Há sete anos, Cabezas saiu de uma gangue para uma ONG coordenada pelo Padre Javier De Nicolo. Ele faz um trabalho semelhante ao do AfroReggae, no Rio: jovens criminosos são ressocializados e treinados para retirar do crime outros adolescentes.