Título: Traficante diz que ordem é matar PMs
Autor: Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 08/04/2007, Rio, p. 19

Bandidos relatam bastidores da guerra contra milicianos.

Enfiado num bermudão e numa camisa de grife, Júnior* se aproxima do bar, cercado por jovens com fuzis, pistolas e granadas. Tênis importado, o homem, de aproximadamente 30 anos, não ostenta armas. Na birosca, no interior da favela, ele é recebido como ¿patrão¿. Desconfiado, pede água e recebe de um dos integrantes do grupo a contabilidade do dia. Na mesa ao lado, três jovens conferem o dinheiro que chega dos pontos de venda de drogas.

¿ Aí, patrão. Esses três (R$3 mil) são do crack. Falta somar o do preto (maconha) e o do branco (cocaína). Tem que mandar mais duas cargas para lá, mando 180 ou 200? ¿ pergunta o rapaz, uma espécie de gerente do ¿negócio¿.

Júnior manda levar uma carga de 200 e pede um tempo para falar com ¿o cara do jornal¿. A desconfiança é generalizada. O traficante sinaliza que tudo está bem, oferece a água e dispara:

¿ O PM que está hoje na milícia é o mesmo que pegava dinheiro para não atrapalhar a boca. Tudo verme. Por isso que a ordem agora é quebrar (matar) geral ¿ diz Júnior.

Integrante da facção que controla a venda de drogas em morros como Mangueira, Borel, Providência e Cidade de Deus, ele diz não ver diferença entre policial e miliciano. Generalização que pode explicar os recentes ataques e mortes de PMs:

¿ É tudo PM, tem bombeiro, civil, mas a maioria dos milicianos é da PM. Então, a ordem é matar eles ¿ diz.

Repetindo os milicianos, Júnior também recorre ao discurso assistencialista:

¿ A nossa comunidade não fecha (apóia) milícia. Eles cobram taxa para proteger os moradores, cobram do gás, do dono de Kombi. A gente não cobra. Pago cesta básica, mais de cem por mês, remédio, pago aluguel atrasado. Quem perde favela para milícia é bandido vacilão, que bota o terror na comunidade. Aqui é na disciplina. Pode ver, não tem nem confronto ¿ diz o traficante.

Ao sair do bar, Júnior fala com moradores que passam, paga picolé para algumas crianças e reclama do esgoto que corre a céu aberto.

¿ Aí, tem que fazer reportagem para mostrar isso. Aqui em cima falta água e posto médico. Quero ver se a milícia vai resolver isso ¿ diz.

No beco, os ¿soldados¿ usam radiotransmissores para avisar que o ¿patrão¿ está seguindo para o lado da quadra. Júnior parece popular, mas admite não poder andar sem os seguranças. Afinal, seu poder está nas armas.

Longe dali, em outra comunidade controlada pelo tráfico, linguajar e roupas formam uma espécie de uniforme do tráfico. Bermudões, bonés, tênis ou chinelos e as armas expostas, impondo o medo. Beto* está à frente do bando, mas recebe ordens do ¿chefe¿, que cumpre pena no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste.

Mesmo atrás das grades, o traficante não perdeu o controle dos ¿negócios¿. Prova disso é que, para falar com o repórter, Beto teve que pedir permissão ao bandido preso. Alvo de dois ataques da milícia, a quadrilha está em alerta. Armas pesadas, como fuzis, são levadas pelos bandidos à luz do dia.

¿ A parada ficou neurótica. A milícia tentou invadir duas vezes. Por isso, a ordem é colocar os bicos (fuzis) na pista (rua) cedo ¿ diz Beto, ignorando a o vaivém dos moradores.

Para não perder território, facções rivais acertaram uma trégua e bandos aliados passaram a ceder homens e armas aos atacados. A ajuda, no entanto, tem preço:

¿ A gente tem que pagar o aluguel das armas e o dia dos ¿soldados¿, que vêm de várias favelas ligadas à facção e ganham até R$300, por semana ¿ revela Beto.

O traficante garante que a estratégia foi colocada em prática na Cidade Alta, em Cordovil, e na Cidade de Deus, em Jacarepaguá. O reforço de bandidos aliados, segundo Beto, garantiu a expulsão dos milicianos da Cidade Alta.

¿ Eles (milicianos) podem até entrar, mas duvido que fiquem. Morador de favela não gosta de polícia, ainda mais de polícia ladrão ¿ diz Beto.

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