Título: A tecnologia que adoece
Autor: Doca, Geralda e Almeida, Cássia
Fonte: O Globo, 08/04/2007, Economia, p. 29

Males como LER e depressão já respondem por um terço dos afastamentos do trabalho.

Oesforço repetitivo que acompanha as novas tecnologias e o estresse presente no ambiente de trabalho moderno, especialmente na última década, abalaram a saúde do trabalhador brasileiro. Levantamento inédito do Ministério da Previdência revelou que os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (dort) ¿ que reúne doenças de coluna, tendinite, bursite e outra lesões por esforço repetitivo (LER) ¿ e transtornos mentais e comportamentais, como depressão, ansiedade, apatia e agressividade, já respondem por mais de um terço dos afastamentos do trabalho. Entre 2000 e 2005, o percentual foi de 33,5%.

As duas ocorrências estão entre os quatro principais males do trabalho, desbancando doenças tradicionais, como diabetes, pressão alta e problemas de coração. Lesões (fraturas e perda de membros) e envenenamentos ¿ intoxicação, principalmente no ramo de fabricação de molhos, condimentos e temperos ¿ ainda aparecem no primeiro lugar da lista. Problemas circulatórios estão em terceiro.

O setor de serviços, o que mais se expandiu nos últimos tempos e o que mais emprega, é um dos protagonistas desta nova realidade. A sua expansão foi recentemente recalculada pelo IBGE, e o setor representa 64% da riqueza gerada no país.

Na área financeira, situação é pior

As atividades de intermediação financeira ¿ mercado de capitais e instituições financeiras, líderes do ranking de doenças mentais ¿ são exemplos. O trabalhador do mercado financeiro tem sete vezes mais chances de desenvolver uma doença psicológica do que a média dos trabalhadores. Os bancos comerciais representam a quarta, entre mais de mil atividades classificadas no país, que têm maior número de empregados afastados por transtornos mentais.

Depois de passar por cinco assaltos e outras incontáveis tentativas, a bancária Tereza Cristina Martins Rebelo, de 49 anos, desenvolveu um trauma insuperável: não consegue mais entrar em agências bancárias e evita sair de casa. Aos 49 anos está aposentada por invalidez por transtornos mentais:

¿ Trabalhei como tesoureira, portanto, ficava em contato direto com os ladrões. Já passei por um assalto às 11h, e às 11h30m chegou outro grupo. No último, todos ficaram no chão e só eu em pé, rendida pelo ladrão. Agora quando entro numa agência, tenho taquicardia, suor frio e, no dia seguinte, uma alergia de pele aparece pelo corpo. A descarga de adrenalina provoca isso, disse o médico.

No último assalto, o descontrole tomou conta da bancária. Ela não conseguia parar de chorar. Em 2004, ela começou o tratamento com psiquiatra e psicólogo, custeado pelo banco. Chegou a ser demitida, mas voltaram atrás, diante da doença já diagnosticada. Está de licença médica desde fevereiro de 2005 e foi aposentada por invalidez há um ano:

¿ Tomo três remédios por dia e passei a me tratar no Instituto de Psiquiatria da UFRJ, depois que o banco parou de pagar as consultas. Quase não saio de casa.

Hoje Tereza sofre de lapsos de memória, insônia e pressão alta. O superintendente de Relações de Trabalho da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Magnus Ribas Apostólico, diz que, no caso de Tereza, a relação com o trabalho é clara, mas, segundo ele, isso nem sempre acontece:

¿ Há fraude com essas doenças invisíveis. Não há esse quadro de doenças nos bancos, para sermos comparados no risco à fabrica de explosivos e às plataformas de petróleo. Mostramos isso à Previdência e estamos à espera de resposta.

O setor bancário teve a alíquota do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) elevada de 1% sobre a folha de pagamento para 3%, depois que a Previdência constatou uma prevalência maior de doenças de bancários em relação à média dos trabalhadores.

A lista dos dez ramos mais problemáticos neste campo termina com o Transporte Aéreo Regular ¿ não por menos, um setor que passou por falências traumáticas nos últimos anos e enxugamento de postos de trabalho. As doenças mentais, sozinhas, afastaram 9,23% do total de trabalhadores em cinco anos.

Segundo a especialista em Saúde Pública da Universidade Federal da Bahia, Letícia Nobre, a adoção dos dados de auxílio-doença para medir os afastamentos ocupacionais trouxe à tona os males dos serviços, que pouco notificava as doenças:

¿ A forma de organização do trabalho é altamente adoecedora. A pressão é maior, e as doenças de voz, auditivas e os sofrimentos psíquicos aumentaram. O ritmo do trabalho é excessivo e o nível de responsabilidade, também.

O especialista em doença do trabalho Márcio Moreira Salles tem percepção semelhante. Para ele, a expansão dos serviços, o aumento da concorrência e a oferta de mão-de-obra barata provocaram mudanças no perfil das doenças.

¿ Antes, a ocorrência dessas patologias (LER e doenças psicológicas) no ambiente de trabalho era insignificante.

LER: 24,25% das licenças médicas

Salles afirmou que estatísticas internacionais revelam que, para cada trabalhador lesionado, há, na mesma firma, outros 20 com LER. Esse é um grupo de doenças universal, mas só foi reconhecido como um mal inerente ao trabalho em 1987. Desde então, tem crescido a participação desses doentes entre os beneficiários do INSS. Hoje, representam 24,25% das licenças no Brasil ¿ patamar próximo dos 27,07% de afastamentos causados por lesões e envenenamentos.

DOENÇAS NAS MULHERES SÃO POUCO RECONHECIDAS COMO DO TRABALHO, na página 30