Título: Eu era diplomático, agora estou agressivo¿
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 08/04/2007, O Mundo, p. 35

ex-guerrilheiro e atual presidente Xanana Gusmão defende Ramos-Horta e critica opositores de frente que ajudou a criar

DÍLI. O ex-guerrilheiro, herói da libertação do Timor Leste após 24 anos de ocupação indonésia e atual presidente do país, Xanana Gusmão, é um homem sem papas na língua e com uma determinação de evitar, da maneira que for, que a Fretilin (Frente Revolucionária do Timor Leste Independente, partido que ele mesmo ajudou a fundar) vença as eleições para a Presidência de amanhã. Nesta entrevista exclusiva ao GLOBO, Gusmão, de 61 anos, não esconde que seu candidato é o ex-primeiro-ministro e prêmio Nobel da Paz, José Ramos-Horta. Ele também não esconde sua antipatia pelo antigo primeiro-ministro, Mari Alkatiri, a principal cabeça por trás da Fretilin e do maior competidor de Ramos-Horta no pleito de amanhã: Francisco Guterres (Lu-Olo).

Xanana Gusmão não foge ainda de um mea-culpa em relação aos erros de sua gestão: ¿Eu não consegui avançar muito e pude apenas construir institucionalmente um governo para o meu país¿.

Qual o balanço que o senhor faz destes cinco anos como presidente?

XANANA GUSMÃO: Bem, levando-se em consideração que, quando eu assumi a recém-criada Presidência, em maio de 2002, eu tinha apenas dois assessores, posso dizer que, durante este tempo, minha maior tarefa foi construir institucionalmente um governo para meu país. Isso significa convocar os conselhos de Estado e Segurança, convidar a comunidade internacional para nos ajudar a construir outras instituições do país, como um sistema judicial, educacional e de saúde, e até captar recursos para a reconstrução com agências de desenvolvimento. Isso foi até 2005. Em 2006, veio a crise.

Caberá ao novo presidente agir para tocar o desenvolvimento do país?

XANANA: Caberá ao novo presidente, com o governo montado institucionalmente, avançar com as reformas necessárias para fazer o Timor crescer.

De quem foi a culpa na crise que quase terminou numa guerra civil, no ano passado?

XANANA: A culpa é da Fretilin, ou melhor, da antiga liderança da frente, personificada na figura do senhor Mari Alkatiri (antigo primeiro-ministro afastado após os distúrbios de abril e maio de 2006).

Por quê?

XANANA: Porque a eles interessa desestabilizar o país e mostrar ao povo o seguinte: ¿Vejam como nós fazemos falta no governo. O país está uma bagunça e só nós podemos consertar isso¿. Mas esse discurso de ódio, violência e intolerância não repercute nas camadas mais esclarecidas e entre os jovens do país. Por falta de renovação na cúpula, e por reproduzir sempre um discurso de intolerância, a Fretilin acabou se diluindo nos vários partidos que hoje estão aí na disputa presidencial, como a Associação Timorense da Social Democracia ou o Partido Democrático. A atual liderança da Fretilin está sozinha.

Mas o jovens parecem desiludidos com um país sem oportunidades, em que bem mais da metade da população tem menos de 25 anos, dos quais 70% estão desempregados.

XANANA: Esta é a razão das atividades das gangues de artes marciais que vêm estimulando brigas e um clima de terror nos bairros mais pobres. Isso vem da falta de perspectiva e o que estamos tentando é conversar com estes grupos, por um lado, e treinar a polícia local e internacional para coibi-los, por outro.

Há manipulação política por trás destes grupos?

XANANA: Tenho informações que sim. Cheguei a conversar com o Alkatiri, que me admitiu que o partido estava pensando em incluir no grupo uma dessas agremiações. Eu disse: ¿Alkatiri, você é louco de botar num partido sério uma gangue de gorilas?¿. Não sei se ele desistiu.

E as desavenças étnicas?

XANANA: Elas não existem mais. O que existe é a manipulação política das diferenças étnicas.

Por parte da Fretilin?

XANANA: Exato. Só interessa à Fretilin chegar ao poder desestabilizando o governo atual. Eu era um presidente diplomático, sabia? Agora, ando muito agressivo.

Qual dos candidatos o senhor acha que vai vencer as eleições presidenciais de amanhã?

XANANA: Se a Fretilin ganhar as eleições, temo pelo futuro do Timor Leste porque não será com radicalismos e fomentando o ódio que vamos construir um país. Mas não perco a fé e tenho certeza de que, com Ramos-Horta, vamos vencer amanhã.

E o que o senhor pensa da ajuda brasileira?

XANANA: É importante. Contamos com a ajuda do Brasil, um país-irmão, para superar esta difícil fase.