Título: 'Não consegui aprender. Não entendo como passei de ano'
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 09/04/2007, O País, p. 3

Piauiense cursou dois anos sem saber ler e escrever

BRASÍLIA. Aos 26 anos e desempregado, o piauiense Arnaldo Evangelista Pereira de França engrossa as estatísticas de analfabetismo no país. Sua trajetória é um retrato das deficiências do ensino público. Seu sonho, hoje, é um emprego como vigia ou caseiro.

Arnaldo nasceu em Corrente e conta que cursou a 1ª e a 2ª série do ensino fundamental. Desde janeiro, vive no Distrito Federal, na cidade-satélite Paranoá, a 20 quilômetros de Brasília. Os dois anos de estudo na cidade natal não foram suficientes para que ele aprendesse a ler e escrever:

- Não consegui aprender. Não entendo como passei de ano.

Morador da zona rural da cidade e filho de pais analfabetos, ele diz que não havia transporte escolar na região. Para ir à escola, conta, era preciso caminhar 12 quilômetros, repetindo o trajeto na volta. Ou seja, 24 quilômetros de caminhada. Segundo Arnaldo, o único transporte coletivo na região, um caminhão, vinha aos sábados para levar os moradores à feira.

Desde que chegou ao Distrito Federal, o piauiense fez bicos como vigia e, no mês passado, matriculou-se numa turma do Brasil Alfabetizado, oferecida pela organização não-governamental Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá (Cedep). Como quem desenha, é capaz de escrever o nome, mas se atrapalha ao dizer as letras do alfabeto. Arnaldo pretende em breve tirar nova carteira de identidade. Desta vez, com direito à assinatura e não apenas à impressão digital do polegar. Depois, quer estudar e conseguir um emprego. Evangélico, sonha em ler a Bíblia.

- Quantos empregos já perdi por causa do estudo que não tenho? Saber assinar o nome é uma grande alegria. Quero trocar a identidade - diz ele.

A empregada doméstica Maria Francisca Souza de Oliveira, de 26 anos, também deixou o Nordeste em busca de trabalho no Distrito Federal. Faz nove anos que saiu de Barreiras, na Bahia, onde estudou até a 5ª série. Maria Francisca é considerada analfabeta funcional: até anota recados e escreve bilhetes, mas quer fazer um curso de alfabetização, pois não se sente segura para entrar num supletivo e terminar o ensino fundamental.

- Se entrar num colégio, vou ficar para trás. Não quero passar vergonha - diz ela.

Maria Francisca trabalha como diarista em duas residências. Mãe de um menino de 9 anos, quer um emprego de carteira assinada:

- Trabalhar de diarista não é bom. Tendo só a 5ª série, não vou conseguir nada melhor. (Demétrio Weber)