Título: Estados recorrem a 'faz-de-conta' para fugir da punição da Lei Fiscal
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 09/04/2007, Economia, p. 20

Entre os truques contábeis estão gastos correntes que não foram lançados.

BRASÍLIA. A revisão dos números do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) feita recentemente pelo IBGE refletiu-se nas contas dos estados, mostrando um esforço ainda maior do que se imaginava na redução de suas dívidas. Entre 2002 e 2006, o montante da dívida líquida caiu 10,5%, passando de 14,91% do PIB em 2002 para 13,34% em 2006. Mas o desempenho não reflete a real situação fiscal de algumas unidades da federação, que encerraram 2006 com graves problemas financeiros. Elas se valeram de truques contábeis para esconder despesas e se livrar do rigor da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Um estudo do economista José Roberto Afonso, especialista em finanças públicas, mostra o paradoxo vivido pelos estados nos últimos quatro anos, já com a vigência plena da LRF. De um lado, houve uma melhora significativa nos indicadores fiscais tradicionais e naqueles previstos na Lei. De outro, viu-se alguns governadores receberem em janeiro cofres praticamente vazios e milhões em dívidas acumuladas.

O problema é que os antecessores desses governantes usaram truques de contabilidade para maquiar o desempenho real das contas estaduais, e as conseqüências disso só foram aparecer no encerramento de seus mandatos.

No DF, revisão transformou superávit em déficit

Pela contabilidade oficial, todos os números dos estados melhoraram nos últimos quatro anos. A relação entre a dívida consolidada líquida e a receita corrente líquida dos estados - conceito usado pela LRF para medir a solvência das unidades da federação - recuou de 1,95, em dezembro de 2002, para 1,43, em agosto de 2006.

Só que esses indicadores não captam a maquiagem contábil. Como, por exemplo, a não-contabilização de despesas correntes nos orçamentos dos estados, uma forma de o governante encerrar o mandato com as contas em dia, sem risco de ferir a LRF e arcar com o ônus de suas punições.

No Distrito Federal, as despesas não contabilizadas em 2006, apuradas pela equipe do governador José Roberto Arruda, chegam a R$749 milhões. Foram identificadas, por exemplo, contas de água e luz que simplesmente não entraram no orçamento do governo anterior nem no cálculo dos restos a pagar (despesas de um ano não pagas que passam para o ano seguinte).

Assim, para efeito das exigências da LRF, o estado estava enquadrado na virada do mandato, mas a realidade era outra. O superávit de R$68 milhões se transformou em um déficit de R$45 milhões depois de um pente-fino nas contas. O déficit potencial projetado para este ano chegaria a R$1,6 bilhão, caso o governo não tivesse adotado medidas duras para reduzir suas despesas.

No Rio Grande do Sul, o atual secretário de Fazenda, Aod Cunha de Moraes Jr., encontrou dívidas com fornecedores não contabilizadas no valor de R$1,6 bilhão, enquanto no caixa único do estado havia apenas R$1,6 milhão. O governo anterior não contabilizava como despesas com pessoal gastos com pensionistas, pagamentos decorrentes de decisões judiciais e compromissos de exercícios anteriores. Assim, o estado está dentro dos limites da LRF - compromete 41% de sua receita com pessoal, para um limite de 60% - quando o gasto real chega a 73%.

- O que explica a confusão sobre as contas estaduais é que os indicadores tradicionais não captam a maquiagem da contabilidade oficial, principalmente nos chamados restos a pagar. Os indicadores tradicionais não conseguem separar o que é conta do que é "faz de conta". A contabilidade criativa está sabotando a responsabilidade fiscal - afirma o economista José Roberto Afonso.

Em Alagoas, a secretária de Fazenda, Maria Fernanda Villela, encontrou dívidas no valor de R$388 milhões e apenas R$5,3 milhões em caixa. Os limites com gastos de pessoal estouraram logo que o novo governo assumiu, com os aumentos concedidos no ano anterior e não incluídos nas contas.

- O estado aparentemente estava enquadrado na LRF, mas o exame das contas mostrou os disfarces - relata o subsecretário de Fazenda de Alagoas, Mauricio Toledo.

Secretário defende criação do Conselho de Gestão Fiscal

Para o secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, a saída é apertar os controles da LRF. Moraes Jr. acredita que a regulamentação do dispositivo da Lei que cria o Conselho de Gestão Fiscal - com representantes de todos os poderes e esferas de governo - poderia aumentar o rigor na sua aplicação. O Conselho tem entre suas atribuições harmonizar os critérios usados pelos Tribunais de Contas na fiscalização dos governos. Hoje, cada um tem um entendimento diferente sobre como aplicar a lei, e alguns sofrem influência política dos governadores na hora de definir esses critérios.

- A análise não pode ser caso a caso. Há que ter um critério único - afirma Moraes Jr.