Título: Juíza brasileira esfaqueada no Timor
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 09/04/2007, O Mundo, p. 21

ELEIÇÕES TIMORENSES

Magistrada observará eleições presidenciais de hoje e foi ferida em assalto, mas passa bem

Na véspera da abertura das urnas para que 510 mil eleitores escolham o novo presidente do Timor Leste, a juíza Sandra Silvestre, de 37 anos, do Tribunal de Justiça de Rondônia, foi esfaqueada nas mãos e nos braços numa tentativa de assalto na capital, Díli. A juíza chegou ontem de manhã ao país a convite do governo brasileiro para servir de observadora das eleições presidenciais, que se realizam hoje no Timor.

Apesar de ter recebido cerca de 50 pontos em várias regiões das mãos e dos braços após a agressão de ontem à noite, a juíza, de 37 anos, passa bem e garante que vai trabalhar como observadora hoje.

- Foi uma fatalidade e poderia acontecer em qualquer lugar do mundo. O assaltante, um rapaz, estava muito nervoso e me atrapalhei na hora de tirar a bolsa dos ombros. Tentei falar em tétum para ele que eu ia dar a bolsa e que ele tivesse calma, mas ele começou a me atingir com um facão e eu só tentei me defender - diz ela.

Assalto foi diante da Embaixada dos EUA

Sandra Silvestre já trabalhou como juíza em Timor Leste de setembro de 2004 a agosto do ano passado num programa da Agência Brasileira de Cooperação (vinculada ao Ministério das Relações Exteriores) na área de Justiça. Sandra trabalhou não apenas como juíza - julgando processos nas áreas cível e criminal - mas também deu aulas no centro de formação de juízes, promotores e defensores públicos do Timor Leste, dentro do esforço de reconstrução do país:

- Não é comum violência do tipo roubos e furtos em Díli e, nos meus tempos de juíza aqui, nunca julguei nenhum caso deste tipo. A violência é de origem social e étnica, basicamente.

O episódio ocorreu às 19h30m de ontem (hora local) em frente à Embaixada dos EUA, quando Sandra rumava para o mercado de Pantai Kelapa (Praia do Coco, em tétum) para comprar créditos para o seu celular. A juíza foi socorrida pelos seguranças timorenses da embaixada americana e levada para a clínica Pité, a única clínica privada de Díli.

O embaixador brasileiro em Díli, Antonio de Souza e Silva, afirmou que a juíza ficará hospedada em sua casa na capital e dependerá apenas da vontade dela trabalhar como a observadora brasileira das eleições.

- De fato, não são comuns assaltos e roubos em Díli, especialmente de estrangeiros. Os conflitos são entre os timorenses - disse o tenente Alexandre Barcelos, integrante da Força Internacional da ONU, na qual trabalham outros sete brasileiros.

Este é o segundo episódio violento envolvendo brasileiros em Díli. Em novembro passado, o missionário Augusto Edgard Gonçalves de Brito foi morto por um dardo ao cruzar uma das várias brigas de gangues de rua que assolam a capital.

Em Brasília, o presidente nacional da OAB, Cezar Britto, deplorou o ataque sofrido pela juíza.

Em todo o país, os timorenses hoje comparecerão a mais de 700 postos de votação, sob a guarda de uma força internacional composta por três mil soldados. Logo pela manhã (no horário local, ontem à noite no Brasil) milhares de pessoas formavam filas em seções eleitorais. Neste país de 925 mil habitantes não há pesquisas eleitorais, mas a imprensa aponta Francisco Guterres, conhecido como Lu-Olo, presidente da Fretilin, e o prêmio Nobel da Paz e José Ramos-Horta como os favoritos para chegar ao segundo turno. Oito candidatos disputam a Presidência.

Ramos-Horta votou no início da manhã, em Díli.

- Qualquer que seja o resultado, acredito que a democracia ganha se todos respeitarem os resultados - disse o ex-premier Ramos-Horta.

Quando o tema são eleições, a segurança ou o emprego parecem dividir os moradores do país mais pobre da Ásia. O Timor se declarou independente em 2002 após séculos de colonização portuguesa e 24 anos de ocupação indonésia. Na cidade de Liquiçá, 35 quilômetros a oeste de Díli, é fácil encontrar exemplos que ilustram bem o estado de espírito dos eleitores.

O agricultor Anacleto da Silva, de 30 anos, caminhando com um galo embaixo do braço rumo a uma rinha, diz que sua maior preocupação - e de seus vizinhos - é com a segurança. Por isso vai votar em José Ramos-Horta.

- Precisamos de paz para crescer - diz ele, um tanto desconfiado em frente ao jornalista e sua tradutora brasileiros.

Xanana Gusmão pede paz na votação

A 30 metros dali, Fernando Soares de Carvalho tem 18 anos e está desempregado, como 70% dos jovens timorenses. Para ele, nada pode ser mais importante para o Timor Leste, neste momento, do que empregos. Por isso vai votar em João Carrascalão.

- A família Carrascalão já administrou o Timor durante a ocupação e foi muito boa. O candidato é competente e precisamos disso aqui.

Em Díli, foco das turbulências étnicas que racharam e paralisaram o governo desde abril do ano passado, há um clima tenso no ar e boatos de que pessoas estão sendo pagas por partidos para tumultuar as eleições, aterrorizando moradores com pedradas e tiros. Anteontem à noite, por exemplo, disparos de fuzis foram ouvidos no sul da cidade, seguidos da movimentação de carros policiais.

O presidente Xanana Gusmão fez um apelo à paz, pedindo aos eleitores que não considerem "inimigos" quem pertença ao lado político oposto.

- Não recorram à intimidação, não recorram à violência com o objetivo de forçar as pessoas a votarem em seu candidato ou em outros candidatos - exortou ele numa rádio. - Peço a todos os candidatos, em nome da sociedade, que aceitem os resultados da eleição.