Título: Crianças perigosas
Autor: Motta, Claudio
Fonte: O Globo, 10/04/2007, Opinião, p. 7

Nessa etapa em que o país mais discutiu a redução da maioridade penal, após a terrível morte do menino João Hélio, uma cena comum numa delegacia da Baixada Fluminense retratava o cotidiano violento de crianças que vivem nas ruas. Descalço e vestindo somente uma bermuda, um menino de apenas nove anos foi levado, no dia 15 de fevereiro, para a 63ª DP (Japeri), acusado de furtar uma loja e depredar um carro. Ele era seguro por trás pelos dois braços por um segurança, dono do veículo atingido. Apesar do tamanho desproporcional entre os dois, o menino relutava, ameaçava e tentava acertar chutes no homem que o agarrava.

Nesse momento, o delegado Henrique Faro fazia o registro do assassinato de Hilza Pereira da Silva, 66 anos. Ela sangrou até morrer após ter sido atacada pelo próprio neto, um menor franzino que fará 13 anos no dia 20 de abril internado no Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. Quando soube da idade do menor levado para a delegacia, nove anos, o delegado mandou soltá-lo.

Imediatamente após se ver livre, o menor cuspiu no rosto do segurança que o imobilizava e o ameaçou: "Você vai ver o que vai acontecer com você. Vou te pegar." Ele ainda vociferou que seria capaz de matar duas avós, em referência ao crime que chocara a cidade no dia anterior, disse ser ligado a traficantes e que seu negócio era fuzil, não revólver. Abusado, xingando muito, circulou, com deboche, pela delegacia, tentando mexer nos computadores, e lembrava a postura de Dadinho, personagem do filme Cidade de Deus. Coisa de cinema? Não.

A atitude do menino surpreendeu quem estava na delegacia: imprensa, policiais, funcionários e a conselheira tutelar que o acompanhava. As pessoas diziam que ele é conhecido no bairro por causar tumultos, além de realizar roubos e furtos. Seu pai teria sido envolvido com o tráfico de drogas no Morro da Providência e morto em conflito com policiais ou bandidos rivais. Seu tio, Ruben Iria Machado, que se apresentou como assessor do prefeito, foi à delegacia: "Ele gosta de ficar na rua, sua mãe tem problemas mentais e a gente cuida dele como pode, mas o menino foge, tem este histórico de problemas. Se não fosse por mim, talvez ele já tivesse sido desaparecido. Tenho medo de que ele cometa um crime bárbaro como a morte de João Hélio."

A tutora trazia, ainda, outros dois menores: uma menina de 12 anos e um menino de apenas 11. Ambos foram pegos furtando uma loja de sapatos, também em Japeri.

Depois dos assassinatos de João Hélio e da avó Hilza, ver o deboche e a violência num menino de nove anos e presenciar outros dois menores levados para a delegacia por furto me fez pensar sobre a redução da maioridade penal.

Essas crianças conhecem as vantagens penais que a lei lhes oferece - internação de até três anos para menores de 18 anos, e nem isto para os menores de 12, que podem até matar que manterão a ficha limpa.

O menor que assassinou a avó disse, na delegacia, que não sabia por que assinava tantos papéis já que logo ficaria livre por causa da sua idade. Em outro caso, na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Niterói, um garoto de 13 anos, pego por envolvimento com o tráfico de drogas, afirmou ter dez anos, para ser liberado da detenção.

Até quando o limite de idade deveria ser reduzido para realmente se tornar eficaz? Talvez o caminho para a diminuição da violência envolvendo menores passe por outras medidas, que enfatizem os lados emocional e educacional, com valorização e desenvolvimento de seus talentos.