Título: Conversas comprometedoras
Autor: Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 12/04/2007, Rio, p. 16

Policiais ligados a Álvaro Lins intermediaram negócio em troca de doação para campanha

Sérgio Ramalho

Gravações de conversas telefônicas feitas pela Polícia Federal revelam que o grupo de inspetores conhecidos como "inhos", ligado ao ex-chefe de Polícia Civil e deputado estadual Álvaro Lins, intermediou negócio entre o governo do estado e um empresário em troca de doação para a campanha do delegado. As investigações mostram ainda que Lins recebia informações privilegiadas de uma procuradora do Ministério Público estadual e de um assessor do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região sobre inquéritos e operações da PF relacionados ao grupo.

Em conversa interceptada pela PF, em 6 de outubro, os inspetores Mário Franklin Leite Mustrange de Carvalho, o Marinho, e Fábio de Menezes Leão, o Fabinho, preso em dezembro na Operação Gladiador, falam sobre a negociação em torno da assinatura de um projeto que estaria nas mãos da governadora Rosinha Garotinho (caso 1, no infográfico). No diálogo, a dupla ainda faz brincadeira, dizendo que Alexandre Sérgio Alves Vieira, o Tande, assessor de Lins na Alerj, roubaria o grupo.

Num dos trechos, destacados pela Polícia Federal, Fabinho afirma: "(...) Diz que só o escritório do Carmelo vai ganhar uns R$10 milhões(...) com esse negócio ele compraria o comitê e vai dar uma ajuda pra gente". Segundo a PF, o inspetor se referia ao advogado e empresário do ramo de segurança Carmelo Palmieri Perrone, que também presidiu o Sindicato das Empresas de Vigilância e Segurança. De acordo com a declaração de receita da campanha de Álvaro Lins, informada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a maior doadora foi uma empresa de vigilância e segurança, que contribuiu com R$70 mil. A campanha do delegado recebeu R$18 mil de outra firma do setor.

Procuradora avisa sobre Jorginho

Embora as investigações mostrem que Álvaro Lins delegava atribuições aos inspetores conhecidos como "inhos", em algumas gravações ele trata pessoalmente de assuntos de interesse do grupo (caso 4, no infográfico). É o caso da interceptação feita em 4 de dezembro, na qual Lins - já eleito deputado estadual e afastado de suas funções da Polícia Civil - fala com a então procuradora Mônica Di Piero sobre um dossiê do inspetor Jorge Luís Fernandes, o Jorginho, enviado pela Procuradoria da República ao Ministério Público estadual.

Pelo telefone, Álvaro Lins diz a Mônica Di Piero: "A Procuradoria da República mandou para o Ministério Público, pro Marfan (Vieira, procurador-geral de Justiça do Rio), sorte que caiu agora na mão do Homero (Neves Filho, promotor). Tem foto dele (Jorginho) em Hong Kong, foto dele no Sauípe, foto dele não sei aonde. Mas, sabe, o que importa não são as fotos, o que importa é que dizem que ele trabalha com quem? (...) Ah, com o superchefe".

A procuradora, então, resssalta: "É, com o superchefe. (...) Mas como é que o cara faz uma merda dessas, hein? Vou te contar. Vai pra Sauípe cheio de piranha", diz Mônica, nomeada desembargadora.

Segundo a investigação da PF, o grupo, classificado como organização criminosa, tem um alto grau de infiltração na Justiça Federal (caso 4, no infográfico). A suspeita é levantada a partir de diálogos gravados entre Marinho e um homem identificado como major Cruz, que na verdade seria um coronel da PM lotado na área de segurança do TRF da 2ª Região.

O oficial é apontado como responsável pelo vazamento de informações relacionadas a Álvaro Lins e o grupo dos "inhos". As interceptações telefônicas feitas pela PF mostram o militar alertando o inspetor Marinho sobre a expedição de mandados de prisão e busca e apreensão em nome de integrantes do grupo de inspetores.

Marinho e Cruz trocaram diversos telefonemas nos meses de outubro e novembro, período em que a PF estava no auge da investigação que resultou na Operação Gladiador, que levou à prisão os inspetores Fabinho, Jorginho e Hélio Machado da Conceição, o Helinho. Nos diálogos, fica claro o temor de Marinho, que foi lotado no gabinete de Álvaro Lins, na Chefia de Polícia Civil, em relação aos boatos sobre a investigação da PF.

"Confirmaram que vai ter operação da Polícia Federal amanhã", diz Marinho. O inspetor cita a onda de boatos sobre a movimentação da PF e pede ao militar para tentar levantar alguma informação oficial. Cruz responde que vai tentar levantar a história: "Oi, Marinho! Vou ter uma reunião com... a pessoa que me interessa". Ele acaba sendo interrompido por Marinho: "Fala só que chegou uma nova informação que parece que não é da 2ª Vara Criminal Federal, seria a 2ª Vara Criminal de São João de Meriti", ressalta Marinho, segundo o documento da PF. O oficial, então, pergunta se é na Justiça Federal criminal ou no Tribunal de Justiça: "Deixa eu verificar quem está lá que te dou retorno. Já vejo então. Essa informação, a informação é essa, então. Deixa eu dar uma checada". Para facilitar o trabalho do informante, Marinho acrescenta: "Parece que é uma mulher a juíza".

Entre as investigações, um relatório referente à análise da lista de doadores de campanha do candidato Álvaro Lins, a Polícia Federal cita a existência de doações realizadas por servidores públicos ligados às forças policiais do Rio (caso 2, no infográfico). Entre os oito citados, figuram delegados e inspetores. O documento frisa não haver ilegalidade no fato de um policial fazer doação para campanha política, mas salienta que os valores aparecem em "forma de dízimas, ou seja, divisão de um valor inteiro por um determinado número de doadores. Isso demonstra que, no ato da prestação de contas, determinados valores foram devidamente rateados entre supostos doadores para não dar entendimento de valor a descoberto".

O documento acrescenta que a medida pode ter sido adotada para justificar valores de doações irregulares. "Para tanto, foram utilizadas supostas doações de "laranjas", no caso até membros da força pública", diz o relatório.

O documento da Polícia Federal cita também entre os possíveis "laranjas" alguns funcionários de empresas privadas que foram incluídos na lista de doadores. Alguns, com doações de valores como R$933,33, contribuição feita por um empregado da empresa gestora de mão-de-obra dos portos.