Título: Do emprego das Forças Armadas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 13/04/2007, O Globo, p. 2

A atuação das Forças Armadas na garantia da ordem e da segurança interna não é, como se costuma dizer, uma aberração ou desvio. A Constituição reserva a elas também este papel, além da defesa da pátria. Mas, legalmente, é muito complexo o emprego delas para atender a pedidos como o do governador Sérgio Cabral. Mesmo não havendo intervenção federal no estado, ele terá que subordinar ao comando militar todas as operações e órgãos de segurança, como as polícias estaduais. Estará mesmo disposto a isso?

A pergunta foi levantada ontem no Planalto, durante a reunião dos comandantes da três forças com o presidente Lula e o ministro Waldir Pires, da Defesa. Outras condicionalidades legais para que possam atender ao pedido serão apresentadas na reunião de segunda-feira, no Rio, com o governador. Na reunião de ontem, os comandantes demonstraram boa vontade a Lula, empenhado em atender Cabral e ajudar o Rio. Mas destacaram sempre que tudo terá de ser feito "dentro dos parâmetros constitucionais". Vejamos o que é isso.

Em seu artigo 142, a Constituição afirma que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". O mesmo artigo previu uma lei complementar regulamentando a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas. Foi votada em 1999. É a Lei Complementar 097. Relativamente à atuação das forças na garantia da lei e da ordem, diz essa lei que ela ocorrerá de acordo com diretrizes a serem baixadas em ato do presidente da República, "após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no artigo 144 da Constituição". O citado artigo esclarece que a situação de esgotamento dos recursos ocorre quando formalmente reconhecida pelo chefe do poder solicitante. O governador Sérgio Cabral já teve esse gesto de humildade, que muitos governantes se recusaram a ter para não ficarem politicamente fragilizados diante de seus governados. Foi o que fez sua antecessora, Rosinha Matheus, quando o governo federal ofereceu a colaboração do Exército. No ofício que entregou anteontem ao presidente Lula, ele admitiu a insuficiência dos instrumentos do Estado do Rio de Janeiro para enfrentar a situação de insegurança que o atinge.

Mas a lei complementar vai mais longe ao dizer que, uma vez determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente - no caso de um estado, ao governador - "transferir, mediante ato formal, o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações". Ou seja, terá o governador que subordinar aos militares não apenas o comando das operações, mas também o de suas próprias polícias e demais organismos de segurança pública. É uma decisão delicada.

Mas seria errado deduzir, adverte fonte palaciana, que os militares estejam dificultando as coisas, e muito menos que isso tenha relação com a crise na Aeronáutica por conta da negociação com os controladores de vôo. Preceitos constitucionais são sagrados, não podendo ser flexibilizados mesmo quando a causa é boa ou justa.