Título: Espermatozóide feminino
Autor:
Fonte: O Globo, 13/04/2007, Ciência, p. 50

Estudo desafia ética ao levantar hipótese de mulheres criarem células masculinas.

LONDRES

Cientistas conseguiram criar células sexuais masculinas em laboratório a partir de células-tronco extraídas da medula óssea de homens, num estudo que promete aumentar a discussão sobre os limites da ética na reprodução assistida. A pesquisa, em tese, abre caminho para que sejam criados espermatozóides de mulheres, tornando possível, por exemplo, que um casal de lésbicas tenha filhos biológicos. De acordo com reportagem do jornal britânico ¿The Independent¿, os pesquisadores já estão buscando obter autorização para tentar desenvolver células sexuais masculinas a partir de células-tronco da medula óssea de uma mulher.

¿ Teoricamente é possível. O problema é saber se esses espermatozóides seriam funcionais ou não. Não acho que exista nenhuma barreira ética desde que seja seguro ¿ afirmou, em entrevista ao jornal, o principal autor do estudo, Karim Nayernia, atualmente na Universidade de Newcastle upon Tyne, na Inglaterra. ¿ Estamos no processo de tentar obter as licenças éticas. E nos preparamos para pedir autorização para usar as células-tronco existentes em um banco aqui em Newcastle. Precisamos de autorização do paciente que forneceu a medula, do comitê de ética e do hospital.

Intenção inicial não é fertilizar óvulo

Se os especialistas conseguirem obter espermatozóides femininos, eles serão cultivados em laboratório. Depois, terão testada sua capacidade de conseguir penetrar um óvulo, no caso o de um camundongo, num teste básico para checar a viabilidade de espermatozóides.

¿ Queremos testar a funcionalidade de qualquer espermatozóide, masculino ou feminino, produzido dessa forma ¿ afirmou Nayernia.

Entretanto, não há intenção, segundo o especialista, de produzir espermatozóides femininos para fertilizar um óvulo humano, o que requereria a aprovação da Autoridade de Embriologia e Fertilização Humana do Reino Unido.

O objetivo imediato é avaliar se as células-tronco tiradas da medula óssea feminina poderiam mesmo originar espermatozóides. Não está claro ainda se células femininas teriam as informações genéticas necessárias para criar uma célula exclusivamente masculina.

Criar espermatozóides de mulheres significa que eles só seriam capazes de produzir filhas mulheres porque o cromossomo Y do espermatozóide masculino é o responsável pelo nascimento de meninos. Para tanto, frisam os especialistas, ainda seriam necessários muitos anos de pesquisa. Mas, ainda assim, o novo estudo torna a idéia da concepção unicamente feminina mais próxima da realidade.

O estudo que deu origem à polêmica foi desenvolvido na Universidade de Gottingen, na Alemanha, onde Nayernia trabalhava, e publicado na revista ¿Reproduction: Gamete Biology¿. A pesquisa revela que a medula óssea masculina pode ser usada para produzir espermatogônias, as células que normalmente amadurecem dando origem aos espermatozóides. Num estudo anterior, feito com camundongos, a mesma equipe conseguiu chegar a um estágio ainda mais avançado de células sexuais masculinas, o que levou os cientistas a acreditar que poderão fazer o mesmo com seres humanos.

Experiência avançou mais com camundongos

Para os especialistas, as descobertas mostram que é possível desenvolver uma técnica para restaurar a fertilidade de um homem incapaz de produzir seus próprios espermatozóides naturalmente.

¿ Nosso próximo passo é ver se conseguimos fazer as espermatogônias gerarem espermatozóides maduros, o que deve levar de três a cinco anos ¿ contou Nayernia. ¿ Estamos muito animados com a descoberta, particularmente porque nosso trabalho anterior com camundongos sugere que conseguiremos avançar.

Concretamente, mesmo que os cientistas consigam desenvolver técnicas para ajudar pacientes de verdade ¿ sejam homens ou mulheres ¿ a aplicação dessa tecnologia dependerá de legislações futuras e de um sério debate ético.