Título: Tecido infiltrado
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 14/04/2007, O Globo, p. 2

Para combater o crime no Rio, será preciso muito mais que a ajuda das Forças Armadas. Isso ficou claro ontem, com as prisões, pela Polícia Federal, de 25 integrantes de uma organização criminosa. Entre eles, três desembargadores, dois delegados da PF e um procurador, numa evidência da articulação entre o mundo do crime e o da lei. Em outra mostra do quanto o Brasil é um país espantoso, a mesma PF prendeu anteontem, em Pernambuco, uma gangue de matadores profissionais responsável por mais de mil mortes nos últimos cinco anos.

São duas pontas de um Brasil bizarro que atravessam os tempos, vão se adaptando às mudanças e sobrevivendo às ondas de modernização. A organização desbaratada ontem é mais perniciosa porque expõe o avanço do crime e da corrupção sobre as instituições do Estado. É esse o significado da associação de delegados e desembargadores (um deles ex-vice-presidente do 2º TRF) com exploradores do jogo, da lavagem de dinheiro e outros crimes. Não se trata aqui de uma gangue de bandidos do mesmo naipe, como a pernambucana. O desembargador José Eduardo Carreira Alvim, que até há pouco era vice-presidente do TRF, tem grande prestígio jurídico, sendo autor de obras respeitáveis. O procurador João Sergio Pereira continuava no cargo, embora o STJ tenha pedido seu afastamento em 2005, num outro processo em que foi acusado de tráfico de influência e corrupção. Foram muitos meses de investigação para que a PF tivesse provas do envolvimento desta fina flor do aparelho judiciário do Rio com bicheiros e outros criminosos. O STF teve que autorizar a prisão dos desembargadores.

Tudo isso tem sintonia com os costumes do Rio, onde a sociedade sempre foi tolerante com os ¿contraventores¿ glamourizados pelo patrocínio das escolas de samba, inventando até este eufemismo para disfarçar o que são. Esta mesma liberalidade sustenta as conexões invisíveis entre o mundo do morro, onde a droga é distribuída e vendida, e o do asfalto, onde é consumida sem o menor travo de remorso pelo mal que o tráfico faz à cidade.

Se forem vencidas as dificuldades para que as Forças Armadas ajudem a combater o crime no Rio, elas poderão até inibi-lo, enquanto estiverem nas ruas ¿ com todos os riscos que isso representa, treinadas que foram para outras atividades. Mas para atingir a cervical do crime, é preciso quebrar as conexões. E isso, só com muito trabalho de inteligência. Sem negligenciar as ações sociais que promovam os direitos e a cidadania dos que habitam as áreas dominadas pelo crime, libertando-os da servidão, seja aos traficantes ou às milícias.