Título: Liminar em favor de bingos por R$1 milhão
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Fonte: O Globo, 14/04/2007, Rio, p. 16

A MÁFIA OFICIAL: Delegados da Polícia Federal ganhavam para atacar determinados grupos em detrimento de outros"

Gravações revelam irmão de ministro do STJ negociando sentença com advogado de importadoras de caça-níqueis

Os advogados Virgílio de Oliveira Medina e Sérgio Luzio Marques de Araújo, o Sérgio Maluquinho, são personagens de uma das mais importantes conversas gravadas no grampo da Operação Hurricane. Nela, Virgílio, que é irmão do ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negocia com Sérgio, advogado de empresas importadoras de máquinas de caça-níqueis, uma decisão judicial por R$1 milhão. A decisão atenderia aos interesses de donos de bingos.

Na ocasião (agosto do ano passado), Paulo Medina concedeu liminar liberando 900 máquinas caça-níqueis, apreendidas em abril, durante a operação da Polícia Federal Vega Dois, em Niterói. O inquérito da Hurricane só foi remetido para o Supremo Tribunal Federal (STF), onde são julgados ministros dos tribunais superiores, por causa do suposto envolvimento de Medina.

Supremo não confirma busca na casa de ministro

As ordens de prisão contra Virgilio, Sérgio Luzio e os outros 23 supostos integrantes da organização foram decretadas pelo ministro Cezar Peluso, relator do caso no STF - são prisões temporárias de cinco dias, que podem ser renovadas por igual prazo. Mas o STF não confirmou se houve o cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa do ministro do STJ. A liminar concedida por Medina foi cassada, dias depois, por decisão da presidente do Supremo, ministra Ellen Gracie.

As investigações sobre a venda de sentenças para a indústria dos jogos de azar começaram na primeira instância da Justiça Federal fluminense e do Ministério Público Federal. A partir de provas colhidas durante as operações Gladiador e Cerol (esta revelou tráfico de influência na PF do Rio), procuradores da República identificaram uma relação de advogados ligados a interesses da indústria dos jogos de azar, entre eles Jaime Dias, considerado o principal deles, e seus interlocutores da Polícia e Poder Judiciário.

Negociações marcaram luta judicial por caça níqueis

Na mesma época, empresas importadoras de caça-níqueis travavam, no Judiciário federal, uma batalha pela liberação das 900 máquinas apreendidas na operação Vega II em Niterói. A ação policial, liderada pelo delegado Carlos Pereira, um dos presos ontem, arrecadara as peças nos bingos Icaraí, Central e Piratininga.

Inconformados com a decisão da Justiça Federal de Niterói, as empresas recorreram ao TRF-2. O recurso foi distribuído para o desembargador Sergio Feltrin, que negou o pedido de liminar para a liberação das máquinas.

Numa manobra atípica, os bingueiros recorreram então ao vice-presidente do Tribunal, Carreira Alvim. Contrariando o colega Feltrin, ele concedeu liminar liberando os caça-níqueis. Sua decisão vai além: ele determina efeito suspensivo para qualquer futuro recurso contra a liberação das máquinas e fixa uma multa diária de R$50 mil, conforme o pedido das importadoras, para o eventual descumprimento da decisão.

Esse recurso, uma medida cautelar inominada com pedido de liminar, é assinado pelos advogados Sérgio Luzio Marques Araújo e Alexis Lemos Costa, em nome de nove importadores das máquinas (Betec Games, BMI Brasil, Max Bet, Binget, Tecbin, VisionMatic, Gol Operação e Assessoria, Lucky Number e Brasil Games). Na petição, os advogados alegam que é "fantasiosa" a alegação do Ministério Público de que os caça-níqueis eram de origem duvidosa.

O mesmo expediente de concessão de liminares em recursos futuros beneficiou empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a fábrica de cigarros American Virgínia, fechada pela Receita Federal por ser considerada contumaz sonegadora.

Juiz natural do caso, pelo critério da distribuição, Sérgio Feltrin ficou contrariado com a atitude do colega e decidiu levar a sua decisão - contrária à liberação das máquinas - aos outros dois desembargadores de sua turma (primeira turma, especializada em direito penal, previdenciário e de propriedade industrial). Sua posição venceu por três votos a zero.

Mas os bingueiros não desistiram. O passo seguinte foi, por intermédio de recurso, levar a questão ao ministro Paulo Medina, que reformou a decisão da turma do TRF e mandou liberar as máquinas. Essa medida, contudo, só não foi levada a cabo porque a Procuradoria Geral da República interpôs recurso junto ao Supremo e a presidente da Casa, ministra Ellen Gracie, manteve a apreensão.

A ministra, ao atender o pedido do procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, entendeu que "se encontram demonstradas graves lesões à ordem e à segurança públicas, pois a liberação das máquinas eletrônicas apreendidas, a serem usadas na exploração de jogos de azar e loterias, é, num juízo prefacial e estritamente necessário para a apreciação do pedido de suspensão, medida que se incompatibiliza com a natureza contravencional dessa atividade".

As investigações da Hurricane exibem, com a ajuda das interceptações telefônicas, o que ocorreu nos bastidores dessa disputa judicial. Na véspera da concessão da liminar por Medina, o grampo da PF captou uma conversa entre Sérgio Luzio e Virgílio.

Outra conversa gravada revela que o procurador da República João Sérgio Leal Pereira (também preso ontem e que estava afastado de suas funções por envolvimento em suspeitas de corrupção) era tratado pelo grupo pelo apelido de Johnnie Walker.

Numa terceira conversa gravada, cujo teor não foi confirmado pela PF, uma voz identificada como a do desembargador Carreira Alvim teria dito: "Minha parte quero em dinheiro". Além de advogados e magistrados, as conversas registram também a atuação de delegados federais.

Delegados ganhavam para atacar grupos rivais

O superintendente da Polícia da PF do Rio, Delci Teixeira, informou que os delegados da PF presos ontem "ganhavam para atacar determinados grupos em detrimento de outros".

- O delegado de Niterói, Carlos Pereira, segundo as investigações, receberia entre R$40 mil e R$50 mil de propina da contravenção - afirmou Delci.

Em abril do ano passado, o delegado Carlos Pereira comandou em Niterói a Operação Vegas Dois para apreender máquinas de videobingo, videopôquer e caça-níqueis ilegais com a participação de 14 fiscais da Receita Federal. Foram recolhidas máquinas nos bingos Icaraí, Piratininga e Central, num total de mais de mil máquinas que teriam entrado ilegalmente no país. Dez dias antes, a Delegacia da PF de Niterói já havia recolhido 30 máquinas e lacrado 900 nos bingos do município. O superintendente da PF, Delci Teixeira, informou que as investigações mostraram que a operação teria sido realizada para beneficiar um outro grupo de empresários que exploram jogos eletrônicos nos bingos.