Título: A sexta-feira 13 da corrupção
Autor:
Fonte: O Globo, 14/04/2007, Rio, p. 16

A MÁFIA OFICIAL

A sexta-feira 13 da corrupção

PF prende desembargadores, procurador, juiz e delegados suspeitos de ligação com caça-níqueis BRASÍLIA

Na maior operação de combate à corrupção no Judiciário, a Polícia Federal prendeu ontem o ex-vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-RJ), o desembargador José Eduardo Carreira Alvim; o desembargador Ricardo Regueira, também do TRF do Rio; o juiz Ernesto da Luz Pinto Dória, do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (SP); e o procurador Regional da República João Sérgio Leal Pereira. Na Operação Hurricane (furacão, em inglês), deflagrada numa sexta-feira 13, também foram presos o advogado Virgílio de Oliveira Medina, irmão do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina, e três contraventores da cúpula do jogo do bicho do Rio.

Os bicheiros Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, presidente da Liga das Escolas de Samba; Aniz Abrahão David, o Anísio, presidente de honra da Beija-Flor; e Antônio Petrus Kalil, o Turcão, foram levados para a Superintendência da PF, na Praça Mauá. Além deles, foram detidos os delegados federais Carlos Pereira da Silva, chefe da PF em Niterói, Luiz Paulo Dias de Mattos e Susie Pinheiro de Matos, bem como outras 14 pessoas, algumas ligadas a casas de bingo e bancas do bicho no Rio. A PF apreendeu grande quantidade de dinheiro e uma frota de carros de luxo. Só na "fortaleza" de um dos bicheiros, batizada pelos policiais de "bunker da propina", foram recolhidos R$5 milhões, numa parede de fundo falso.

As ordens de prisão foram expedidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso, a pedido do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. A organização é acusada de vender decisões judiciais e informações privilegiadas favoráveis aos bicheiros e donos de casas de bingo e de máquinas caça-níqueis. O grupo também é acusado de lavagem de dinheiro e corrupção, entre outros crimes. Os presos serão transferidos para a carceragem da Polícia Federal, em Brasília. Ontem, a PF teve de transferir para o presídio da Papuda, do governo do Distrito Federal, 25 presos da sua carceragem, para abrir espaço para os que serão levados do Rio.

Bicheiros montaram rede de proteção

As investigações sobre a organização começaram há pouco mais de um ano, a partir de dados recolhidos nas operações Gladiador e Cerol, destinadas a apurar corrupção de servidores públicos por bicheiros e donos de bingos no Rio. A Operação Gladiador foi desencadeada em dezembro para desarticular uma quadrilha formada por policiais civis e militares, que garantia proteção aos bicheiros Rogério Costa de Andrade e Silva e Fernando de Miranda Iggnácio. Na Operação Cerol, foram presos em julho passado seis delegados federais e outras 11 pessoas, sob acusação de fraudes no recolhimento de impostos, contrabando e tráfico de influência.

No início, a investigação da Operação Hurricane estava centrada em um pequeno grupo de bicheiros no Rio. Numa segunda etapa, os policiais descobriram indícios de envolvimento de desembargadores e de Virgílio Medina, irmão de Paulo Medina, ministro do STJ. A partir daí, o STF assumiu o controle das investigações. Pelo Constituição, cabem ao STF os casos relacionados a ministros de tribunais superiores.

Considerada a mais devastadora investida da polícia sobre nichos de corrupção no Judiciário, a operação foi coordenada pelo delegado Renato Hafmann, diretor de Inteligência da PF. O grau de envolvimento entre bicheiros, magistrados, advogados e policiais surpreendeu os investigadores. Os bicheiros teriam construído uma rede de proteção jurídico-policial em torno de si e, a partir daí, estariam se sentindo intocáveis.

- Os caras mandavam e desmandavam. Achavam que podiam fazer qualquer coisa - afirmou um dos delegados do caso.

A PF começou a fazer as prisões logo no início da manhã. O último a ser preso foi o desembargador Ricardo Regueira. Ele foi detido quando desembarcava no Aeroporto Internacional Tom Jobim, de um vôo vindo da Espanha. O procurador Pereira foi preso na Bahia. Os demais foram detidos no Rio. De acordo com um policial, Anísio foi preso em casa, ao lado da mulher, enquanto dormia. Uma empregada abriu a porta blindada do quarto do casal. Ele não ofereceu resistência. Também foram recolhidos documentos, US$47 mil em espécie e jóias em um do três pavimentos da cobertura na Avenida Atlântica, em Copacabana.

Outra equipe esteve no Condomínio Portal das Cabras, na Barra da Tijuca, para cumprir um mandado de busca e apreensão no apartamento de um homem que seria o tesoureiro do bicho, não identificado pelos policiais. Os agentes encontraram R$21 mil num cofre e se surpreenderam ao encontrar uma parede de azulejos falsa, numa antecâmara próxima ao quarto. Um sistema eletrônico abria um trecho da parede, que foi derrubada a marretadas. Lá, os policiais encontraram dinheiro e documentos.

Os policiais também cumpriram mandados de busca e apreensão em em escritórios localizados em quatro andares do edifício 185 da Avenida Rio Branco, no Centro. Em uma das salas, a polícia levou cerca de duas horas para abrir uma porta blindada. De acordo com os agentes, a sala funcionava como uma central de contabilidade dos pontos de jogo do bicho. Diversos discos rígidos de computadores foram apreendidos, além de R$39 mil.

Até 20h de ontem, quatro carros-fortes entraram no prédio da PF, no Centro, com reais, dólares, euros e libras esterlinas, apreendidos em pelo menos quatro "fortalezas" do bicho, em Bangu e Niterói. Um jato EMB-145, da FAB, ficou à disposição da PF na Base Aérea do Galeão para transportar os presos.

A PF também cumpriu 70 mandados de busca e apreendeu grande quantidade de documentos e computadores. Segundo um dos investigadores, parte dos documentos compromete outras pessoas que não estão na primeira lista de presos.

O primeiro dia da Hurricane foi tido como um sucesso, mas a operação quase fracassou. Há três meses, parte das informações começou a vazar. A quebra parcial do sigilo quase inviabiliza a operação. Para contornar o problema, a PF mudou o nome da operação, chamada inicialmente de Furacão, para Hurricane. A troca, aparentemente simples, permitiu à PF identificar possíveis origens do vazamento e, a partir daí, redirecionar a investigação.

Lacrado gabinete de desembargador

Num dos momentos mais críticos do inquérito, o desembargador Carreira Alvim, então vice-presidente do TRF no Rio, descobriu um dos equipamentos de escuta ambiental instalados em seu gabinete pela PF. A descoberta só não comprometeu o andamento da apuração porque Alvim imaginou que a escuta seria obra de colegas que disputavam com ele a presidência do TRF. Numa reunião do colegiado, Alvim teria até esbravejado contra os "adversários espiões".

Depois de apreender documentos e computadores, a PF lacrou o gabinete de Alvim. A operação foi acompanhada pelo presidente do TRF, Joaquim Antonio Castro Aguiar. O TRF informou que, em princípio, não abrirá sindicância ou tomará qualquer outra providência.

A Procuradoria Geral da República informou que o procurador Leal Pereira já estava afastado de suas funções no Ministério Público há dois anos. Pereira é acusado de envolvimento em outras irregularidades anteriores às denúncias sobre suas supostas ligações com donos de bingos. O desembargador Ernesto Dória atua no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, em São Paulo.