Título: Reforma ou casuísmo
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 15/04/2007, O Globo, p. 2

Petistas e aliados do presidente Lula falam no fim da reeleição sempre que precisam amaciar os tucanos. Como agora, quando a CPI da crise aérea parece inevitável. Os tucanos, que inventaram a reeleição para Fernando Henrique, tornaram-se os mais interessados em acabar com ela para facilitar a composição entre seus presidenciáveis. É verdade que alguns sempre foram contra. Mas, desta vez, há outro forte interessado, o presidente Lula. Ele não pensa no casuísmo do terceiro mandato, como suspeita FH, mas num retorno em 2014. Ou 2015, se o mandato for alongado para cinco anos.

Por isso, agora são bem maiores as chances de que o assunto prospere. Mas é justo recordar que, antes de sua primeira eleição, e depois dela, ao longo do primeiro mandato, Lula defendeu sempre o mandato de cinco anos sem reeleição a partir de 2010. O Planalto diz que não vai se meter, assim como os governadores José Serra e Aécio Neves. Não é preciso, para isso têm arqueiros. A emenda do senador tucano Tasso Jereissati já foi aprovada pela Comissão de Justiça do Senado e pode ir ao plenário a qualquer hora. Só falta o acordo. Na Câmara, por ironia, deve ser apensada à de outro tucano que não se bica com Tasso, o deputado Jutahy.

A reeleição foi altamente danosa ao sistema político brasileiro, não havendo por que insistir mais nesse sistema, como defendem alguns. Os governados só têm a perder quando seus governantes já tomam posse pensando em se reeleger, não em fazer um bom mandato. E ai daquele que não buscar o segundo mandato. Será visto como um derrotado por antecipação. Não se reeleger também será visto sempre como naufrágio, embora a derrota não seja prova de que o mandato foi ruim.

Mais uma vez, entretanto, a mudança terá a forma de casuísmo, será feita apenas para atender a ¿interesses tópicos¿, como disse FH, se for aprovada isoladamente, e não acoplada a uma reforma que melhore outros aspectos do sistema político.

O PT, mais que os outros partidos, tem a obrigação de brigar pela reforma política, de defendê-la nas ruas e no Parlamento. Tem o dever de brigar por mudança nas regras que propiciam o caixa dois, o financiamento ilícito de campanhas, a promiscuidade com os doadores, a infidelidade partidária para assegurar a maioria, enfim, todos os desvãos em que acabou caindo ao chegar ao poder.

Se não for assim, inserido no esforço para mudar o sistema de financiamento das campanhas, para garantir a fidelidade e a disciplina partidárias e para mudar o regime eleitoral (adotando o voto distrital ou o voto proporcional em listas), o fim da reeleição será um conchavo entre tucanos e lulistas. Os primeiros, buscando um acordo entre Serra e Aécio, de modo que o segundo aceite a candidatura do primeiro em 2010, guardando-se para 2015. Os lulistas, pensando no retorno de Lula, faça ele ou não o sucessor em 2010.

Como diz Jutahy Junior, a reeleição deu um nó tão grande na política brasileira que agora ficou difícil acabar com ela. Será preciso equacionar muitas questões. Uma delas: poderão os governadores eleitos pela primeira vez em 2006, com a expectativa da reeleição, disputar novo mandato em 2010? Outra: como evitar a falta de coincidência das eleições para o Congresso e para presidente, se este passar a ter mandato de cinco anos, e os deputados continuarem com um de quatro? Uma solução seria alongar também o mandato dos deputados, mas, aí, seria preciso acertar o dos senadores, reduzindo-o de oito para cinco anos também. Nenhuma emenda com tal dispositivo passará um dia pelo Senado. Com a descoincidência, teríamos três eleições a cada quatro anos. É muito. Sobraria apenas para os governantes se concentrarem no trabalho sem pensar em eleição.