Título: Matriculados, mas sem aulas
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 15/04/2007, O País, p. 3

Por falta de professores, centenas de milhares de alunos ficam sem estudo no país.

Um cadeado tranca o Ciep Benedito Laranjeiras, em Nova Iguaçu, às 15h. Não há mais motivos para manter os portões abertos. A falta de professores deixa em casa, todos os dias, 370 dos 570 alunos e impede as aulas no último horário da escola. Em outra escola, a Juarez Antunes, também no município da Baixada Fluminense, a opção dos professores foi o revezamento: os alunos de 5ª a 8ª série do ensino fundamental têm apenas duas horas de aula por dia, para garantir ao menos algumas disciplinas no histórico escolar. No Ciep Severo Gomes, os alunos do ensino médio fazem mutirão para varrer a escola, com apenas um funcionário ¿ aulas, só conseguem assistir três vezes por semana. Em Nova Iguaçu, onde o quadro é o mais grave no Estado do Rio, cerca de dois mil alunos ainda não viram o ano letivo chegar. A situação, que se agravou este ano no Rio (a estimativa é de que 20 mil alunos ainda estejam sem aula), repete-se em Alagoas, Pernambuco e Piauí, entre outros estados. E mostra o tamanho da dificuldade que o governo vai ter para implementar o Plano de Desenvolvimento da Educação, lançado mês passado.

¿ Os alunos estão sendo lesados em seu direito fundamental. Estamos ensinando uma geração do século XXI, com trabalhadores formados no século XX e em uma escola do século XIX. Essa geração não entra para o sistema produtivo. E pode acabar servindo ao crime. É dramático ¿ diz a presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Juçara Maria Dutra Vieira.

Em Alagoas, cerca de 50 mil alunos estão sem aula na rede púbica estadual. Estimativa do Sindicato dos Profissionais de Ensino (Sepe) do estado mostra que 120 mil alunos do ensino médio deverão se formar sem ter aulas de matemática e física, por causa da falta de professores.

O Sepe fluminense calcula que o déficit de professores chegue a 26 mil. O governo do estado fez este ano seis mil contratos temporários a menos do que no ano passado.

¿ Nós já estamos colhendo hoje o abandono da escola pública nos anos 90. Não quero nem imaginar a tragédia que nos espera no futuro ¿ lamenta a coordenadora do Sepe, Beatriz Lugão.

¿ Estamos fabricando violência ¿ concorda Heloísa Prevato, diretora do Ciep Benedito Laranjeiras.

Déficit maior é em áreas mais técnicas

O secretário de Educação Básica do Ministério da Educação, Francisco das Chagas, diz que a oferta de educação básica é responsabilidade dos governos estaduais e das prefeituras. Ele sustenta que a falta de professores não é um problema federal e que o Ministério da Educação não tem balanço das cidades onde o ano letivo não começou.

¿ Não há investimento na formação de professores. Eles estão envelhecendo, e, em áreas como matemática, o número de profissionais só diminui ¿ diz Alexandre Arrais, integrante da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O problema mais grave, segundo a CNTE, está nos baixos salários. A estimativa de pesquisa feita pela confederação é de que a média no país fique entre R$500 e R$700. O PAC da Educação prevê como meta o piso de R$850. O déficit de professores atinge diretamente disciplinas mais técnicas como física, química, matemática e biologia. Juçara Dutra explica que esses cursos são mais caros, o que espanta o interesse dos futuros professores. Não é o caso de Karina Silva de Oliveira, de 12 anos, aluna do Ciep Luiz Henrique Novaes, na Baixada Fluminense, que tem aula apenas três vezes por semana:

¿ Eu quero ser professora de matemática. Para ajudar a resolver o problema aqui.

Segundo a CNTE, mais de 50% dos professores têm entre 40 e 59 anos. Estudos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostram que em algumas áreas, como ciências, existem casos no país, especialmente no Nordeste, em que a média de alunos por professor chega a cem.

No Rio, são 50 mil professores ativos. Em 2006, foram 591 mil matrículas. Este ano, segundo o secretário estadual de Educação, Nelson Maculan, foram chamados dois mil concursados (ainda há 18 mil à espera da chamada). Além disso, foram contratados 1.400 professores temporários e autorizadas 15 mil GLPs (Gratificação por Lotação Prioritária ou horas extras).

¿ O problema da falta de aula é grave. Nós assumimos a responsabilidade. O pessoal adorava contratação temporária. Ano passado foram oito mil. Essas contratações eram paliativos, que não resolviam o problema. Contrataremos os professores chamando os concursados ou fazendo concursos ¿ disse Maculan.

COLABOROU: Demétrio Weber

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