Título: Guerra santa à brasileira: com paz e jeitinho
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 15/04/2007, O País, p. 14

Igrejas disputam fiéis casa a casa na favela da Passagem Funda.

SÃO PAULO. Sem saber ler mapas nem escrever números, as ex-católicas Inês Felix Matias e Antonia Aguiar Machado, vizinhas na favela da Passagem Funda, em Cidade Tiradentes, explicam, com suas próprias histórias, o que acontece no ¿país católico¿. Como seus pais, avós, filhos e netos, as duas vizinhas sempre foram católicas no Nordeste, onde viviam há duas décadas. Agora, deixaram os cabelos crescer, alongaram as saias e passaram a disputar novos fiéis pentecostais para as igrejas que freqüentam, bem diante dos dois barracos onde vivem, numa guerra santa à brasileira: em paz, mas com ¿jeitinho¿.

As duas usam o mesmo velho ditado para explicar a opção:

¿ Quem não muda pelo amor, acaba mudando pela dor.

A dor de Inês foi ter se afastado de Deus e caído no alcoolismo. Um dia, um homem que se dizia pastor abriu uma capelinha chamada Pentecostal Presença Divina, no barraco em frente ao dela. E foi ali, de onde nunca sai, que Inês reencontrou Jesus Cristo, segundo explica.

¿ Eu não era nada. Virei assistente social da igreja. Junto roupas velhas e dou a quem não tem. Jesus me orientou e eu, que não tinha nada, agora recebo R$300 do INSS, graças ao Senhor, e dou R$30 para a igreja, porque isso é bíblico. Aqui somos muito carentes, mas esse dinheiro é para Deus¿ diz Inês.

¿Eu não tinha pernas para ir à igreja, tão longe de nós¿

Inês nunca mais bebeu. Hoje cuida dos dois netos que a filha deixou para que ela crie com a pensão do INSS. E toma remédios para o diabetes quando o pastor os retira no posto de saúde do bairro mais próximo.

¿ Quando eu era católica, ninguém vinha na minha casa e eu não tinha pernas para chegar à igreja, tão longe de nós.

Antonia também fala de suas dores. Em São Paulo, vive isolada, com pouca comida no armário. O marido leva para casa R$460 por mês, e agora precisa dar R$46 para a Assembléia de Deus, que funciona diante de sua casa, mas diz que passou a se sentir incluída:

¿ É que Deus me dará em dobro. Eu era uma pessoa muito isolada, nem à missa conseguia ir, porque é muito longe daqui. Minha irmã me convidou e eu aceitei Jesus Cristo. Agora saio, vou à igreja e não fico mais sozinha. A gente se sente mais segura quando é pobre e tem uma igreja que manda as pessoas às nossas casas. Eu fui incluída.

Os católicos da região de Cidade Tiradentes reagem, mas na medida do possível:

¿ Nós passamos a ir de casa em casa, porque as pessoas sentem muita falta disso. Mas aqui é muito difícil ser católico. A paróquia tem horários e muitos vêm à igreja porque precisam de ajuda, de comida. Ativamos a Pastoral Social e o padre também tem ido evangelizar nas casas ¿ diz a secretária da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Maria de Fátima da Silva.(S.A.)