Título: PF já apreendeu R$10 milhões da máfia
Autor: Dutra, Marcelo e Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 15/04/2007, Rio, p. 21

Magistrados, bicheiros, advogados e delegados presos na Operação Hurricane foram transferidos para Brasília.

BRASÍLIA. Além de surpreender pela extensão de suas ligações com representantes da Justiça, a quadrilha comandada pela cúpula do jogo do bicho do Rio e por donos de casas de bingos impressionou os policiais federais pelo tamanho do seu patrimônio. Numa estimativa conservadora, a Polícia Federal apreendeu R$10 milhões, pelo menos, em dinheiro, jóias, carros e até lanchas durante a Operação Hurricane (furacão, em inglês).

Os 25 presos na operação foram transferidos ontem de madrugada num avião da FAB para Brasília. Os acusados deixaram a sede da Superintendência da Polícia Federal do Rio, na Praça Mauá, num ônibus do órgão em direção ao Aeroporto Internacional do Rio, às 2h35m.

Advogados de presos reclamam da falta de contato

Os presos chegaram por volta das 6h30m de ontem, em Brasília, num jato EMB-145, da Força Aérea Brasília (FAB), e foram levados para a Superintendência da Polícia Federal. Por volta das 10h, eles tomaram café da manhã. No menu, frutas, pão e café preto. Do lado fora, os advogados dos presos reclamaram que foram impedidos de ter contato com os clientes. O delegado federal Ângelo Gioia disse que isso aconteceu porque os presos estavam sendo revistados e o contato foi impedido por questões de segurança.

Não foram apenas os policiais federais que tiveram trabalho dobrado na sede da Polícia Federal na Praça Mauá, na noite de sexta-feira. Enquanto os agentes cumpriam todas as exigências legais para que pudessem, enfim, transferir para Brasília os acusados de participar de um esquema de exploração de jogos ilegais que inclui autoridades da Justiça, da própria PF e figuras do carnaval do Rio ¿ ligadas à exploração de bingos e caça-níqueis ¿ motoboys se revezavam na tarefa de entregar pizzas para policiais e detidos.

Além dos motoboys, um médico do Hospital Pró-Cardíaco, amparado por uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Móvel, apareceu na PF. De acordo com os agentes, a presença do médico foi solicitada pelos advogados dos acusados, uma vez que vários de seus clientes sentiram-se mal após a prisão.

¿ O Turcão (o bicheiro Antonio Petrus Kalil) tem 82 anos e uma série de problemas cardíacos. Ele usa marcapasso e está fortemente sedado. É um senhor de idade e isso tem que ser levado em consideração ¿ apelava Carlos Bussad, um dos vários advogados que entravam e saíam apressadamente da PF durante boa parte da noite.

Turcão, segundo o advogado, sequer teve condições de subir as escadas para se juntar aos outros acusados que ficaram recolhidos a salas nos andares superiores da superintendência. Advogados e parentes se incumbiram da tarefa de levar roupas, objetos pessoais e travesseiros. Alguns deles ficaram nervosos e, ao saírem, se desentenderam com jornalistas.

¿ Ninguém vai filmar meu pai, isso é uma falta de respeito ¿ disse um rapaz mais exaltado enquanto conduzia o pai até o carro.

Durante toda a noite carros da Polícia Federal, com agentes armados, entravam e saíam da unidade. Representando a OAB, os advogados Alexandre Vianna e Carlos de Azevedo estiverem na superintendência acompanhando os depoimentos dos advogados detidos. Eles queriam saber se os presos têm ligação com a organização criminosa.

A quantidade de dinheiro em espécie apreendida com os presos obrigou os agentes federais a recorrerem, inclusive, ao uso de carros-fortes para ter segurança no transporte dos valores. Na sexta-feira, quatro deles entraram e saíram do prédio da Superintendência da PF com reais, dólares, euros e libras esterlinas recolhidos em quatro fortalezas do bicho, em Bangu e Niterói.

A PF apreendeu também uma frota de mais de 30 carros de luxo, a maior parte deles importada, que incluía veículos das marcas Mercedes-Benz e Audi. Apenas numa das fortalezas dos bicheiros ¿ apelidada pelos policiais de ¿bunker da propina¿ ¿ foram encontrados cerca de R$5 milhões em espécie.

Em outro endereço, no Condomínio Portal das Cabras, na Barra, os agentes tiveram de derrubar, a golpes de marreta, uma parede de azulejos. Atrás dela, encontraram R$700 mil e pastas com documentos. Na mesma casa, foram apreendidos R$21 mil em um cofre.

Parte do material apreendido pela PF estava com os bicheiros em casa. Na de Aniz Abrahão David (Anísio) foram recolhidos jóias e US$47 mil em espécie.

Portas blindadas em escritório vasculhado

O próprio Anísio dormia dentro de um quarto com a porta blindada, que teve de ser aberta por uma empregada para a entrada dos policiais federais. Além dele e de Turcão, entre os homens que fazem parte da cúpula do jogo carioca a Polícia Federal prendeu também o presidente da Liga das Escolas de Samba, Ailton Guimarães Jorge, o capitão Guimarães.

A PF fez operações de busca e apreensão em escritórios localizados em quatro andares do edifício 185, da Avenida Rio Branco, no Centro. Numa das salas, a polícia levou duas horas para abrir uma porta blindada. De acordo com os agentes, ali funcionaria uma espécie de contabilidade do jogo do bicho. Os agentes apreenderam computadores e R$39 mil.