Título: Sentença permitiu derrame de caça-níqueis
Autor: Otávio, Chico
Fonte: O Globo, 16/04/2007, Rio, p. 9

Liminar concedida por juiz federal do Espírito Santo liberou 1.600 máquinas e 26 mil peças entre 2001 e 2003

Chico Otávio

Decisões judiciais polêmicas, como as reveladas na sexta-feira pela Polícia Federal com a Operação Hurricane, favorecem a indústria dos jogos de azar há pelo menos cinco anos. Liminar concedida pelo juiz federal Macário Ramos Júdice Neto, do Espírito Santo, liberou entre 2001 e 2003 cerca de 1.600 máquinas caça-níqueis completas e montadas, além de 26 mil partes e peças, no valor total de R$5,5 milhões, que estavam apreendidas no Porto de Vitória.

A liminar, confirmada em segunda instância pelo desembargador Ricardo Regueira (preso pela Hurricane na sexta-feira), proporcionou o maior derrame de máquinas de caça-níqueis no mercado brasileiro. A decisão foi cassada, pouco depois, pela ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas já era tarde. Até hoje, a Receita Federal não conseguiu levar de volta a seus galpões o total dos caça-níqueis importados pela Brasbin Comercial Importação e Exportação e pela Rebin Eletrônica.

Macário Júdice está afastado do cargo desde 2005, quando o STJ abriu processo criminal contra ele por formação de quadrilha e estelionato. O juiz foi acusado pelo Ministério Público Federal de dar, em troca de propinas, sentenças favoráveis a advogados que criavam empresas apenas para ingressar com ações na Justiça pleiteando benefícios tributários ao governo. O procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira, um dos 25 presos pela Hurricane, também foi indiciado nesse mesmo processo.

Em um dos casos investigados pelo Ministério Público, Macário teria garantido ao advogado Beline José Salles Ramos, também indiciado, honorários advocatícios de quase R$1,9 bilhão. A ação era para garantir a isenção de Imposto de Renda sobre alienações de títulos da dívida pública emitidos à época do Império. Além dessa quantia, o advogado teria movimentado mais de R$100 milhões entre 1997 e 2001 referentes a vitórias em causas julgadas por Macário e seu colega Ivan Athié.

Ligações estreitas entre juízes e advogados

A concessão de liminares para importadoras de caça-níqueis não é o único escândalo envolvendo o grupo a que Macário pertencia. Juízes e advogados usaram liminares para trancar ações e livrar acusados da prisão, deram sentenças duvidosas (no caso, os juízes) em causas milionárias e participaram de manobras processuais causando prejuízos aos cofres públicos.

Ações judiciais contra o grupo, em andamento no STJ, mostram que o mesmo esquema é investigado por venda de sentenças para distribuidoras de cigarros e bebidas, interessados em sonegar impostos federais, para réus como o empresário Artur Falk e os integrantes da Escuderia Le Coq, envolvida com grupos de extermínio no Espírito Santo, e pela liberação ilegal de contas com saldos elevados de FGTS.

Macário, Regueira, João Sérgio, além de dois outros desembargadores federais, Ivan Athié (também denunciado por estelionato e afastado do cargo) e José Eduardo Carreira Alvim (ex-vice-presidente do TRF-2 e também preso pela Hurricane), tinham estreitas ligações. Nos anos 90, por exemplo, Regueira era titular da 18ª Vara Federal do Rio e Carreira Alvim, da 19ª. Quando um deles estava ausente por algum motivo, o outro o substituía.

O grupo agia nas franjas da lei. Ao conceder a liminar para as importadoras de caça-níqueis, por exemplo, Macário desconsiderou a instrução normativa 126 da Receita Federal, que proíbe a importação de máquinas do gênero, por estarem relacionadas aos jogos de azar.