Título: Às vésperas da auto-suficiência, empresas reinventam o GLP
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 16/04/2007, Economia, p. 34

Com investimentos saltando dos atuais R$400 milhões para R$1 bilhão até 2013, companhias querem estimular uso para muito além do gás de cozinha

O GLP (Gás Liquefeito do Petróleo) é o gás de cozinha, certo? Sim e não. Esta é justamente a imagem que as empresas do setor de GLP querem mudar radicalmente, às vésperas de o país atingir sua auto-suficiência em produção. Além do uso para a produção de alimentos, o GLP pode ser empregado, por exemplo, no aquecimento de água, na geração de energia e no uso industrial, em máquinas e equipamentos. O presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de GLP (Sindigás), Sérgio Bandeira de Mello, afirmou que a expansão do uso do GLP, assim como a mudança da imagem que se tem do produto, vai ser possível a partir do próximo ano, com a auto-suficiência. Até agora, o país dependia de importações para atender ao consumo interno.

- Estamos virando a própria mesa. De patinho feio passamos a ser alternativa real e queremos investir para abrir nosso caminho - garante Mello.

O Brasil sempre foi dependente de importação de GLP e, talvez por isso, sua utilização tenha ficado limitada praticamente às residências. Atualmente, o consumo é da ordem de 6,4 milhões de toneladas anuais, contra uma produção nacional de seis milhões de toneladas.

O presidente do Sindigás afirma que o país vai se tornar auto-suficiente em GLP, considerando a ampliação da oferta do gás natural por parte da Petrobras - de 24 milhões de metros cúbicos por dia a partir do próximo ano. Pelas contas do Sindigás, a produção de GLP atingirá cerca de 6,7 bilhões de toneladas anuais para um consumo da mesma ordem.

O aumento da produção do GLP é conseqüência direta da ampliação de produção do gás natural pela Petrobras. Isto porque, quando o gás é separado nas Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGN), são retirados o butano e o propano, com os quais é produzido o GLP.

- O que faz com que as empresas apostem na expansão do uso do GLP é a perspectiva de que, já a partir de 2015, haverá um excedente de GLP da ordem de 2 milhões de toneladas anuais - explica Mello.

Pelas contas das empresas, em 2015 a produção nacional de GLP estará em torno de 9,7 milhões de toneladas anuais para um consumo, sem considerar sua expansão, de 7,6 milhões de toneladas anuais.

- Ou se exporta ou se amplia o consumo no país, gerando riquezas e empregos - avalia Sérgio Mello.

Apostando na auto-suficiência, empresas líderes do setor, como a Ultragaz (do grupo Ultra), a SHV Gás Brasil (das marcas Minasgas e Supergasbras) e a Liquigas (da Petrobras), estão dispostas a investir pesado nos próximos anos.

Setor pode gerar 35 mil empregos diretos

As empresas, segundo Sérgio Mello, poderão dobrar seus investimentos, passando dos atuais R$400 milhões anuais para algo em torno de R$800 milhões nos próximos anos. E, segundo o executivo, já a partir de 2013, esses volumes podem superar a casa de R$1 bilhão. A expansão do uso do GLP poderá representar a geração de cerca de 35 mil empregos diretos e indiretos nos próximos anos. Mello destaca que, se os projetos forem para a geração de empregos, podem chegar à casa dos cem mil até 2015, passando dos atuais 350 mil para 450 mil.

Todos os investimentos e a geração de empregos vão depender de uma espécie de "escolha de Sofia": o que fazer com os dois milhões de toneladas anuais de excedentes de GLP que serão produzidas a partir de 2015? Se a Petrobras decidirá exportar para China ou Japão, dois grandes mercados consumidores, ou se o excedente será destinado ao mercado interno. A empresa não comentou o assunto.

O especialista em energia Adriano Pires Rodrigues destaca que o GLP pode realmente ter um papel mais importante na matriz energética. Segundo ele, o produto pode ser utilizado no aquecimento de água, além de ser uma alternativa econômica importante para empresas de médio e pequeno porte.

Especialista pede mais transparência nos preços

O GLP também é importante como reserva de segurança para as indústrias que consomem gás natural e não podem ficar sem o produto, caso das indústrias de vidros, cerâmicas e outras que possuem fornos. Mas, para expandir o uso do GLP, Adriano Pires defende maior transparência nos preços do produto por parte da Petrobras. O GLP residencial, por exemplo, não teve reajustes nos quatro anos do governo Lula.

O presidente da SHV Gás Brasil, Lauro Cotta, disse que a companhia, segunda no ranking do setor, já está se preparando para a expansão das atividades e conta com um programa agressivo de treinamento de pessoal no exterior.

- O GLP tem uma larga aplicação na indústria e no setor da agroindústria também, por exemplo, no combate às pragas em substituição aos agrotóxicos, entre outros - destaca Cotta.

- O GLP tem uma imagem negativa, sempre ligado apenas ao gás de cozinha. Tem uma imagem de que é um produto subsidiado e de que o botijão, assim como a panela de pressão, explode. Nada disso é verdade - diz Mello.

O primeiro passo para mudar essa situação já foi tomado, segundo o executivo: o Sindigás entrou com recurso na Agência nacional do Petróleo (ANP) para que sejam eliminadas as atuais restrições para o uso do combustível.

Segundo Mello, quando os EUA invadiram o Iraque em 1990, o Brasil adotou uma série de restrições para garantir o suprimento do petróleo, tais como fechar postos nos fins de semana e limitar a velocidade nas rodovias. Essas restrições foram abolidas mais tarde, menos as que se referem ao uso do GLP. O produto não pode ser usado em caldeiras, piscinas, saunas, e motores a combustão (veículos), com exceção de empilhadeiras.