Título: MST invade até área do Exército
Autor: Oliveira, Germano e Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 17/04/2007, O País, p. 3

Ocupação ocorreu em Santa Catarina; em Brasília, sem-terra invadiram sede do Incra.

Na onda de invasões de abril, sem-terra ocuparam no domingo e ontem uma unidade do Exército em Santa Catarina e a sede do Incra, em Brasília. Cerca de 600 militantes do MST invadiram uma área de 10.500 hectares do Exército em Três Barras e Papanduva, no norte de Santa Catarina. Os sem-terra montaram barracas na área onde o Exército faz operações militares, inclusive de tiro e explosivos, e foram retirados do local sob a mira de canhoneiras e cinco tanques blindados, além de 500 soldados armados com fuzis e metralhadoras. Os soldados ameaçaram passar com os blindados sobre as barracas dos sem-terra, que se postaram à frente para impedir que as tendas fossem esmagadas.

Para evitar um conflito, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), líder do PT no Senado, ligou para o ministro da Defesa, Waldir Pires, pedindo que as tropas não avançassem, pois havia crianças entre os sem-terra.

O MST recuou e deixou a área ontem à tarde, mas os sem-terra ameaçam com nova invasão. Tropas do Exército cercam o local e ontem não deixaram deputados do PT de Santa Catarina entrar. Os sem-terra dizem suspeitar que a área vem sendo arrendada ilegalmente para fazendeiros plantarem soja. Uma reunião entre as partes, com a senadora petista de mediadora, ficou acertada para esta semana em Brasília.

A maior parte das terras do Exército seria improdutiva, segundo o MST. Essas terras foram desapropriadas pela União no início da década de 60 para a implantação do Campo de Treinamento do Exército Marechal Hermes, mas muitas famílias ainda não receberam o dinheiro.

"Os tanques ficaram a dez metros"

A ocupação começou na madrugada de domingo, segundo João Guilherme, da coordenação do MST. Os sem-terra chegaram em ônibus, caminhões, carros e até carroças, surpreendendo os poucos soldados que montavam guarda no local. De 200 a 300 barracas foram erguidas. Domingo à tarde, o Exército começou a cercar o acampamento, com o reforço de tropas de unidades do Paraná.

- Os tanques chegaram a ficar a dez metros das barracas, com os motores ligados, e com os alto-falantes comunicando que, se não saíssemos em cinco minutos, seríamos esmagados. Essa situação se manteve por mais de dez horas - disse João Guilherme, da tropa dos sem-terra.

Depois que a líder do PT ligou para o ministro Waldir Pires, que acionou o Comando do Exército para resolver o impasse, as negociações entre as partes começaram na madrugada do domingo, por volta da 1h30m. Só ontem os sem-terra deixaram a área.

O Exército não se pronunciou oficialmente, mas uma fonte da assessoria do Comando em Brasília disse que o campo de instrução invadido pelo MST é como se fosse um quartel:

- Os sem-terra poderiam correr riscos na área. Há treinamento de tiro e com explosivos. Poderiam ser atingidos por alguma granada falhada e que poderia detonar agora. Essa área do Exército pertence à União, e não poderia ser invadida assim. Por isso, houve reforço da 5ª Região Militar da Divisão do Exército, com tropas de Joinville e Rio Negro.

Em Brasília, cerca de 850 sem-terra ligados ao MST e à Contag ocuparam ontem, durante quase todo o dia, a sede do Incra. Eles reivindicavam uma série de ações do órgão, entre as quais a demissão do superintendente do Incra no Distrito Federal, Renato Lordello. Na semana passada, a direção da Contag havia se reunido com o presidente Lula, no Palácio do Planalto.

A ação é parte da Jornada de Luta pela Reforma Agrária, que aconteceu em todo o país. No Distrito Federal, os sem-terra querem também o assentamento de 1.800 famílias, que estão acampadas na região há mais de quatro anos, e a liberação de créditos, convênios e recursos para o programa de habitação nos assentamentos.

Invasão e destruição de canaviais em SP

Os sem-terra só desocuparam o prédio no fim do dia. Essa foi a exigência da direção do Incra para que houvesse negociação. No encontro com os líderes do MST e da Contag, o presidente do órgão, Rolf Hackbart, acenou que pode vir a trocar o superintendente.

- Todo o trabalho no Incra está sendo avaliado, e em dez dias deverá haver novidades - disse Rolf aos dirigentes das duas entidades.

Apesar do acordo com os manifestantes, o Incra obteve uma liminar na Justiça Federal que determinou a saída imediata dos ocupantes do prédio. Segundo a liminar de reintegração de posse, concedida pela juíza Cristiane Pederzolli, os sem-terra teriam o prazo de duas horas para deixar o prédio a partir da notificação. No entanto, o Incra não lançou mão da liminar, apostando na negociação.

Em São Paulo, o MST também fez uma série de invasões no Pontal do Paranapanema, em Presidente Prudente. Além da ocupação da Fazenda São Luís, em Presidente Bernardes, onde chegaram a derrubar cercas e destruir plantações de cana-de-açúcar, os militantes do MST ocuparam também as sedes do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e do Incra nas cidades de Teodoro Sampaio, Rosana e Primavera.

Dois carros da Polícia Militar que chegaram à porteira da Fazenda São Luís foram impedidos pelos invasores de entrar na área ocupada. Os sem-terra cortaram grande quantidade de cana-de-açúcar e fizeram uma barricada na entrada da fazenda.

Em Pernambuco, cerca de 400 famílias invadiram ontem mais duas fazendas. Foi a nona ocupação por sem-terra ligados ao MST só em abril no estado, onde, no mesmo período, as invasões na área rural já somam 17, considerando-se outros movimentos. Ontem foram tomadas as fazendas Rafael e Cajueiro Escuro, esta de propriedade do deputado estadual Ricardo Teobaldo (PSDB).

COLABORARAM: Adriana Baldissarelli e Letícia Lins

www.oglobo.com.br/pais