Título: Lula rebate críticas de Chávez
Autor: Gois, Chico de e Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 17/04/2007, Economia, p. 17

ENERGIA DA DISCÓRDIA

Brasil nega que etanol trará fome. Documento da Cúpula associará risco a qualquer combustível.

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem, em seu programa semanal de rádio, não saber com que base técnica ou científica vêm sendo construídas as críticas de que a expansão da produção de biocombustíveis pode aumentar a fome no mundo, ao tirar espaço do cultivo de alimentos. O discurso havia sido encampado pelos presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Fidel Castro, de Cuba, após o Brasil firmar parceria estratégica com os EUA, em dois encontros entre Lula e George W. Bush, em torno do etanol.

- Eu não sei qual é a base técnica ou científica das críticas ainda. Espero que tenhamos oportunidade de discutir um pouco esse assunto - afirmou Lula, acrescentando que o Brasil, a África e os países da América do Sul poderão tranqüilamente produzir tanto biodiesel e etanol como alimentos.

Durante a 1ª Cúpula Energética Sul-americana, na Venezuela, o assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, informou que o risco de que o aumento na produção mundial de etanol provoque desabastecimento ou, no mínimo, aumento nos preços dos alimentos será incluído no documento final do encontro, iniciado ontem. Mas o Brasil conseguiu alterar a proposta feita por alguns dos países participantes do encontro, e o texto dirá que o risco de desabastecimento alimentar está relacionado a todos os tipos de combustíveis, inclusive o petróleo.

- Não são os biocombustíveis exclusivamente que podem representar ameaça para a produção de alimentos - disse Garcia, explicando que o alto preço do petróleo afeta a produção de alimentos ao encarecer insumos, máquinas e equipamentos.

Mais cedo, em Barcelona, no interior da Venezuela, Lula participara - com Chávez e os presidentes Evo Morales (Bolívia) e Nicanor Duarte (Paraguai) - do lançamento da pedra fundamental para a construção de duas petroquímicas no Complexo José, a cerca de 300 km de Caracas. O projeto é uma joint venture da Braskem, do grupo Odebrechet, e da Pequiven (Petroquímica da Venezuela).

Chávez: busca por "socialismo fresco"

Lula evitou polemizar na cerimônia, preferindo exaltar a parceria. Chávez também descartou o embate, enaltecendo a integração, que chamou de "construção da Grande Pátria".

- Esta é uma demonstração extraordinária do que podemos plantar para o futuro da América do Sul - afirmou Lula, referindo-se ao projeto das duas empresas.

O empreendimento, que custará US$3 bilhões, prevê a produção de 1,3 milhão de tonelada ao ano de eteno e 1,1 milhão de polietileno e outros produtos petroquímicos. Outro projeto será a construção de uma fábrica de polipropileno. A previsão é que a unidade entre em funcionamento no fim de 2009.

Dirigindo-se a Chávez, Lula afirmou que "é importante que tiremos proveito político e econômico" do cenário dos dois países, em referência ao preço do petróleo e à expectativa de crescimento do Brasil. Segundo Lula, este proveito tem que se traduzir em empregos, aumento de salário e conhecimento. Crítico do capitalismo, Chávez alegou que não é contrário à iniciativa privada, mas a favor de um novo modelo:

- Este governo não é inimigo dos empresários venezuelanos. O que não pode é as empresas atentarem contra a pátria. Buscamos um socialismo que não exclua a empresa privada. É um novo socialismo, fresco.

A cerimônia contou com cerca de 200 trabalhadores, todos de vermelho. Ao recepcionar Lula, Chávez fez questão de mostrar os seis caças russos que comprou. De Barcelona, o presidente viajou para Isla Margarita, onde se realiza a Cúpula Energética. Segundo fontes diplomáticas, o texto final do encontro deve dar mais destaque à função estratégica do gás natural para evitar que o etanol monopolize as discussões. Garcia negou que a disputa entre etanol e petróleo seja um ponto de atrito entre os países:

- A temperatura baixou, e temos hoje a possibilidade de fazer um debate de caráter mais racional e menos passional.

Segundo ele, a tese de que o etanol pode gerar falta de comida é falsa.

- Há estimativas de que a capacidade de produção de alimentos hoje permitiria nutrir 12 bilhões de pessoas, que são o dobro da população mundial - afirmou.

Mas em uma referência indireta aos EUA, que produzem etanol a partir do milho, o assessor presidencial concordou que o uso da matriz americana pode provocar aumento de preços.

Para adequar a defesa do etanol ao discurso esquerdista de Chávez e outros presidentes sul-americanos, Garcia disse que o Brasil vai redobrar os cuidados ambientais e em relação às leis trabalhistas no setor.

O assessor presidencial afirmou ainda que está sendo negociado um novo acordo de exportação de etanol brasileiro para ser misturado à gasolina da Venezuela. As importações foram interrompidas em outubro do ano passado. A Colômbia também anunciou, durante a cúpula, que passará a misturar biodiesel, produzido em quatro usinas a serem construídas no país, ao óleo diesel na proporção de 5%.

(*) O repórter viajou em avião da FAB, a convite da Presidência, em função das dificuldades de vôos ao local do evento