Título: Bolívia garante fornecimento de gás ao Brasil
Autor: Oliveira, Eliane e Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 17/04/2007, Economia, p. 19

ENERGIA DA DISCÓRDIA: Exército boliviano ocupa campo de produção para evitar corte por parte de trabalhadores

Petrobras diz não temer que os protestos na região do Gran Chaco interrompam exportações do combustível

Eliane Oliveira e Ramona Ordoñez*

BRASÍLIA, RIO e LA PAZ. O governo brasileiro obteve ontem das autoridades bolivianas a garantia de que os protestos na província Gran Chaco - que podem afetar o megacampo de gás natural Margarita - não prejudicarão o fornecimento do produto para o Brasil. Os maiores riscos recaem sobre a espanhola Repsol-YPF. A notícia de que o envio de gás para o Brasil estaria ameaçado deixou em alerta máximo o governo, que logo de manhã entrou em contato com autoridades bolivianas que participam, na Venezuela, da cúpula energética da América do Sul. Técnicos dos ministérios de Minas e Energia e Relações Exteriores viam com desconfiança a situação na Bolívia e só se convenceram de que o fornecimento continuará normal no início da noite de ontem.

O temor foi desencadeado por protestos dos habitantes da região do Gran Chaco, que disputam a posse do campo Margarita com a vizinha O"Connor. No início da madrugada de ontem, eles fecharam cerca de cinco estradas que ligam a Bolívia ao Paraguai e à Argentina. Os líderes dos protestos ameaçavam interromper o fornecimento de gás para os países vizinhos.

A fim de evitar prejuízos às exportações para Brasil e Argentina, o governo boliviano mandou o Exército ocupar os campos de gás.

- A Bolívia tem acordos internacionais que devem ser protegidos e garantidos - disse o general Freddy Bersatti ao anunciar a ação militar.

O comandante das Forças Armadas, general Wilfredo Vargas, assegurou que os militares estão lá para proteger as operações, não para controlá-las.

A diretoria e os técnicos da Petrobras não têm receio de que haja um corte nas exportações de gás natural da Bolívia em função desses protestos. O diretor de Gás e Energia da estatal, Ildo Sauer, disse ontem não acreditar em um corte no fornecimento do gás para o Brasil. Isso porque, segundo ele, os primeiros a serem prejudicados seria os próprios bolivianos, com a suspensão da produção dos combustíveis consumidos no país, como gasolina, diesel e GLP. Além disso, segundo Sauer, isso representaria um prejuízo diário para os cofres do governo boliviano de cerca de US$2 milhões por dia só, com o pagamento de royalties sobre a produção do gás natural:

- Parar a produção seria uma gripe para o Brasil e uma pneumonia para a Bolívia. Acredito que o governo boliviano terá sabedoria e eficácia para superar essas questões internas.

Estatal assegura aplicação de plano de contingência

Sauer destacou ainda que, em uma hipótese remota de corte no fornecimento de gás natural, haveria produto suficiente ao longo do gasoduto para cerca de três dias. Esse tempo seria o bastante para o governo brasileiro adotar seu plano de contingência, com o fim de evitar o corte no fornecimento do gás natural aos consumidores finais, como indústrias, comércio e residências. O plano prevê, entre outras medidas, o corte do consumo de gás nas próprias refinarias da Petrobras e nas plataformas e sua substituição por outros produtos, como GLP, diesel e óleo combustível.

O campo de gás alvo da disputa ainda não opera em plena capacidade. Estima-se que sua produção possa render US$100 milhões em impostos ao governo por ano. No mesmo departamento (estado) ficam os campos de San Antonio e San Alberto, operados pela Petrobras, em parceria com a Repsol e a Total.

Um técnico da Petrobras na Bolívia também mostrou tranqüilidade. Segundo ele, a hipótese de um corte é muito remota: os trabalhadores bolivianos sempre ameaçam interromper a produção de gás natural para pressionar o governo. Atualmente, o Brasil importa entre 24 milhões e 26 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural da Bolívia, o que representa cerca de 50% do consumo total do país.

As relações entre os dois países chegaram a um impasse em maio de 2006, quando o presidente boliviano, Evo Morales, decretou a nacionalização das reservas de gás e petróleo. Somente no início deste ano a petrolífera estatal boliviana YPFB e a Petrobras chegaram a um acordo sobre os novos contratos de exploração, produção, distribuição e preços.

(*) Com agências internacionais