Título: O cenário mudou
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 18/04/2007, Economia, p. 24

A maioria do mercado acha que os juros vão cair 0,25 ponto percentual hoje. Será que é tão certo assim? O Banco Central ficou mais imprevisível depois das duas mudanças na diretoria. Desde a última reunião do Copom, o cenário mudou: caíram o risco-Brasil, a inflação e o dólar. Melhorou a situação internacional e se superou o episódio de volatilidade dos mercados. Há espaço para uma queda maior.

O BC pode acabar confirmando todas as previsões de mercado, mas terá que se esforçar para justificar, na ata, queda tão pequena diante de um quadro que melhorou tanto.

Na última reunião, o mercado internacional vivia ainda os efeitos do estresse da volatilidade nas bolsas e nas moedas que estourou no fim de fevereiro. De lá para cá, dados mais tranqüilizadores já foram divulgados, e a volatilidade cedeu. A médio prazo, continua existindo o risco de queda no crescimento mundial, mas, por enquanto, os cenários são de mais um ano de crescimento.

Alexandre Póvoa, do Modal Asset, pondera exatamente isto, que na última reunião o mundo vivia os efeitos da queda generalizada do mercado. Essa é apenas uma das várias mudanças do quadro econômico. Ele acha que o Banco Central vai continuar no mesmo ritmo de 0,25%, mas afirma que a taxa de juros básica está "fora do lugar" no Brasil:

- Apesar do juro real, em um ano, ter caído do patamar de 10% ao ano para os atuais 7,8%, o risco geral da economia brasileira caiu relativamente muito mais. Em outras palavras, a relação risco-retorno de se investir no Brasil hoje, mesmo com um juro mais baixo, é melhor do que era um ano atrás. Por isso, o Brasil é tão procurado - diz.

Desde a última reunião, o risco-Brasil caiu 23%, o dólar caiu 3,8%, o episódio da inflação pressionada pelos preços dos alimentos já foi superado. Os últimos números mostram queda da inflação. Na primeira reunião do ano, a previsão de inflação para os próximos 12 meses era de 4,03%; na segunda, havia caído para 3,77% e agora está em 3,64%. A previsão da inflação dos preços por atacado, o IPA-M, era de 4,51%; hoje está em 3,73%.

Na última reunião do Copom, não havia sido divulgada a mudança no cálculo do PIB. A relação dívida/PIB estava em torno de 50%, agora é cerca de 45%, e a previsão do mercado é que feche o ano em 44%. É apenas contábil, mas são esses dados contábeis que as agências de risco olham para seu veredito sobre o grau de risco das economias.

A previsão de PIB aumentou de lá para cá, em parte, porque houve a mudança de metodologia. Mas isso apressa ainda mais a dinâmica da queda da dívida/PIB. O aumento do nível de atividade vai além da mudança metodológica, o país está, de fato, num ritmo maior de crescimento, ainda que abaixo dos níveis mundiais. Ontem mesmo, a Pesquisa Mensal de Comércio mostrou o aumento das vendas em 9,4% em fevereiro em relação ao mesmo mês do ano passado.

O aumento do ritmo de crescimento não seria um motivo para o BC ser mais "parcimonioso"? Depende. Crescimento só é preocupante se significar uma pressão inflacionária, se estiver produzindo distorções. Mas não há sinal algum desse tipo de pressão, portanto não faz sentido temer o crescimento em si.

O economista Paulo Tenani, do UBS Pactual Wealth Management, diz que, num país que tem superávit em conta corrente, que manda 1,7% do PIB para fora, não faz sentido se falar em inflação de demanda. Num artigo, ele faz uma ponderação interessante: "O Brasil é o único país dentro do universo dos emergentes em que o processo de redução nas suas taxas de juros ainda não se completou. De 1996 a 2001, um país emergente pagava, em média, 14% nos títulos da sua dívida; hoje paga 6,1%."

E completa:

- Um investidor estrangeiro está sendo muito bem pago hoje com os juros de 12,75% para tomar o risco cambial no Brasil.

A queda mais acentuada dos juros dificilmente irá elevar a taxa de câmbio a ponto de isso pressionar os preços. Aliás, nada parece socorrer essa taxa de câmbio. De 2005 para cá, os juros caíram sete pontos percentuais e, ainda assim, o dólar continuou caindo, porque o mercado continua com muita oferta de moeda americana. Este ano, mesmo com dólar baixo, a previsão média do mercado é de um superávit comercial de US$40 bilhões, Investimento Direto Estrangeiro de US$18 bilhões e de superávit na Conta de Transações Correntes.

Por mais que se vasculhe a conjuntura econômica, não se encontram motivos para tanta parcimônia do Banco Central. A redução do ritmo no começo do ano pode ter sido justificada por algumas incertezas, como o episódio de pressão inflacionária, mas agora isso desapareceu. Alguns analistas do mercado financeiro argumentam que o BC vai reduzir em 0,25 ponto porque assim poderá manter esse ritmo de queda até o fim do ano. Se é assim então, o Copom nem é necessário, basta divulgar de antemão uma planilha de queda de metade de meio ponto percentual a cada 45 dias. Enfim, política monetária tem que ser mais sofisticada que essa crônica da quedinha anunciada. As condições mudaram, os números mudaram, as projeções mudaram, as decisões do Banco Central também deveriam mudar.