Título: Antecedentes sobre a fidelidade
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 19/04/2007, O Globo, p. 2

Os partidos que tiveram deputados aliciados pela base governista podem não ver confirmada pelo STF a interpretação do TSE, de que, pertencendo o mandato ao partido, o migrante deve ser afastado, ficando a vaga para o suplente. Os mais interessados são o PSDB, o DEM (ex-PFL) e o PPS. Em dois julgamentos distintos, o STF já deliberou em sentido contrário, alegando que a Constituição, ao listar as razões para a perda de mandato, não inclui entre elas a mudança de partido.

A recente decisão do TSE foi ao encontro da indignação dos eleitores com a infidelidade de seus representantes aos partidos pelos quais pediram o voto, prática reiterada pelo intenso troca-troca no início desta legislatura. Além de frustrar a vontade do eleitor, a infidelidade é nociva ao quadro partidário, aumentando sua debilidade e instabilidade. Incentiva o fisiologismo, pois, se os governos aliciam deputados para fazer suas maiorias, terão de recompensá-los com favores e benefícios às custas da administração pública. A decisão do TSE, se levada a cabo, inibiria muito esse desvio, mas pode acabar não vigorando, pois foram muito claras as decisões anteriores do Supremo Tribunal.

Em 2004, o suplente de deputado Ney Moura Teles impetrou mandado de segurança pedindo o afastamento dos deputados por Goiás Lydia Quinan, Pedro Caneto e José Francisco Neves. Todos haviam trocado de partido. O impetrante reclamava do fato de o presidente da Câmara ter se recusado a afastá-los e a dar posse aos suplentes, um dos quais ele próprio.

Como relator, o ministro Gilmar Mendes invocou um voto anterior, dado sobre a mesma questão, pelo ministro Moreira Alves, que, após citar os casos em que a Constituição prevê (no artigo 55) a perda de mandato, afirmou: se os constituintes tivessem pensado em punir com a cassação os que mudam de partido, teriam mencionado esse caso no artigo. Gilmar Mendes incorpora o argumento e prossegue: "Embora a troca de partidos por parlamentares eleitos sob regime de proporcionalidade revele-se extremamente negativa para o desenvolvimento do sistema eleitoral e do próprio sistema democrático, é certo que a Constituição não fornece elementos para que se provoque o resultado pretendido pelo requerente".

Perguntará o leitor por que tão freqüentemente medidas necessárias esbarram na própria lei. No geral, porque nossas leis foram se tornando muito imperfeitas e pouco claras. A própria Constituição tem silêncios graves, como esse. Em alguns casos, por marotagem dos próprios políticos, que se valem das lacunas quando os favorecem. No caso da redistribuição do dinheiro do Fundo Partidário e da verticalização, o Congresso correu e aprovou leis mais claras, no sentido oposto às interpretações do TSE. Mas, se o STF derrubar agora este entendimento sobre a fidelidade partidária, os partidos da engorda (hoje os da base de Lula, ontem os que apoiaram outros governos) agradecerão em silêncio.