Título: Não é o BC
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Globo, 19/04/2007, Opinião, p. 7

Têm surgido importantes estudos mostrando que a taxa de juros no Brasil poderia ser razoavelmente menor do que a atual. E que só não é assim porque o Banco Central ou é excessivamente conservador ou se equivoca na condução da política monetária.

É preciso prestar atenção a esses estudos, mesmo porque são produzidos por economistas alinhados com a teoria das metas de inflação praticada pelo BC brasileiro. Não se trata, portanto, daquele tipo de crítica que enxerga no BC um instrumento dos banqueiros a serviço da especulação.

Mesmo assim, é preciso enquadrar o debate para não cair na conclusão tão simples quanto equivocada de dizer que o Brasil não cresce mais por culpa do Banco Central. Isso desviaria o assunto do ponto central, que é o seguinte: o Brasil não cresce mais por causa do governo, porque o setor público gasta demais, investe pouco, arrecada demais, tem uma dívida enorme e ainda por cima atrapalha o ambiente de negócios para as pessoas e empresas.

Na verdade, sem querer provocar, mas levando o debate ao limite, é preciso dizer que ao menos parte do crescimento atual se deve ao BC. O consumo das famílias tem puxado a economia - as vendas no varejo, por exemplo, têm aumentado fortemente - e isso decorre de ganhos de renda e do aumento do crédito concedido às pessoas, a prazos cada vez maiores.

Ganhos de renda e crédito dependem diretamente da inflação. Quanto menor esta, maiores os outros dois - e foi exatamente o que aconteceu no Brasil. A primeira condição para um crescimento equilibrado é o fim da inflação, a estabilidade monetária, e é justamente isso que o BC está entregando, com conseqüências já positivas.

A crítica diz que o BC pode ter obtido esse resultado, positivo, sem dúvida, à custa de sacrifício exagerado para o crescimento. Os juros, instrumento do BC no regime de metas, teriam sido mais elevados do que o necessário. É difícil checar esse tipo de argumento - como teria sido se tivesse sido de outro modo?

Mas um bom exercício é comparar o Brasil de hoje com o do passado e/ou com outros países mais ou menos parecidos. Com base nestes dados, se diz que os juros brasileiros estão fora de lugar.

De novo, é um bom ponto, mas é preciso registrar que o Brasil também é bem diferente de outros países - para pior - em quesitos essenciais.

A dívida pública, por exemplo. A líquida equivale a 45% do Produto Interno Bruto (PIB), e não deveria passar de 30%, se levado em consideração o padrão para países emergentes importantes. A dívida bruta brasileira está em torno dos 65% do PIB, e deveria ser inferior a 40%, na mesma base de comparação.

A carga tributária aqui deve estar passando dos 35% do PIB. Entre os países emergentes que recebem grau de investimento, essa carga chega no máximo a 25%. O governo aqui gasta com Previdência o equivalente a 12% do PIB, o dobro do gasto médio entre os emergentes. A rica Alemanha gasta 12% do PIB com aposentadorias, mas os idosos formam 20% da população. No Brasil, os idosos são 6%. País jovem com gasto de país velho e rico.

Não há crescimento sem investimentos, públicos e privados. O setor privado brasileiro tem poupado e investido anualmente algo como 15% do PIB, embora pague impostos demais.

Já o governo, embora arrecade cada vez mais, investe cada vez menos em infra-estrutura. O investimento público, que já foi de 7% do PIB, alcança hoje apenas 1,5%, e isso com muito esforço e muita conta martelada.

A taxa de juros na China é um quarto da brasileira. Verdade. Mas os investimentos totais são quase três vezes maiores.

E tem também o ambiente de negócios. A pesquisa "Fazendo Negócios", do Banco Mundial, utiliza dez critérios (como facilidades para abrir e fechar empresas, custos trabalhistas, procedimentos e tempo gasto nas relações com o Fisco, dias e custo para resolver problemas na Justiça, licenças e alvarás necessários para colocar uma fábrica em funcionamento, etc,) para avaliar se o ambiente é hostil ou favorável aos empreendedores privados. Numa lista de 175 países, o Brasil se classificou no 121º lugar, só ficando à frente da Índia entre os emergentes importantes.

Resumo da ópera: mesmo que a taxa de juros estivesse dois pontos abaixo, o Brasil não entraria em um processo de forte crescimento sem as reformas destinadas a reduzir o gasto público e a carga tributária e a melhorar o ambiente de negócios.

Como as reformas são politicamente difíceis, pau no BC.

Fácil e errado.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br.