Título: 'Lula, tende piedade de nós!'
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 19/04/2007, O País, p. 12

Artistas reagem perplexos ao projeto de lei de Crivella.

Estupefação é a palavra que melhor traduz a reação de artistas ao projeto de lei, de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que inclui as igrejas entre os beneficiários da Lei Rouanet. Proposta semelhante causou polêmica na classe artística no fim de 2006, ao tentar incluir o esporte na divisão dos recursos da Rouanet.

A atriz Fernanda Montenegro disse que está pronta para voltar a Brasília, como fez na votação da Lei do Esporte, num protesto contra o projeto de lei de Crivella.

- Se não estou enganada, todos os cultos, por serem atividades sem fins lucrativos, já estão isentos de tributação. Além disso, a Rouanet já serve para tantas coisas: festa junina, fogos de Ano Novo... - destacou Fernanda. - Por favor, senhores pastores, tenham um pouco mais de compostura com os ganhos do dito vil metal. Cuidem mais dos ganhos espirituais. Por favor, senadores, ministra Dilma Roussef e ministro Gilberto Gil, socorro! Presidente Lula, tende piedade de nós, que recorremos a vós!

- É o maior absurdo que já ouvi na face da Terra. Uma palhaçada. Faz parte de todo o panorama que nós vivemos. Acho que eles querem fazer isso junto com a visita do Papa - disse, com ironia, o artista plástico Nelson Leirner.

Também com indignação, a atriz Beatriz Segall levantou dúvida em relação a quais igrejas seriam beneficiadas.

- Que absurdo, meu Deus! Que coisa horrorosa! Só o Crivella para fazer isso... Não tem nada na cabeça dele? O que religião tem a ver com cultura? Nada. E Lei Rouanet é para a cultura - protestou Beatriz. - Vamos ter de dar mais dinheiro para o bispo Macedo? E será que outras igrejas seriam beneficiadas mesmo, ou só as dele? Daqui a pouco, Crivella vai querer criar uma religião de Estado também.

O músico Roberto Frejat também critica a mistura de religião e cultura. Segundo ele, essa união é perigosa num Estado laico, que não deveria interferir nas crenças de cada um. Para o músico, Estados vinculados à religião têm uma postura de intolerância:

- Sou contra, veementemente. Primeiro, porque os templos já são isentos de vários impostos. E devemos evitar que a religião esteja ligada ao Estado, é perigosíssimo isso. Não acho nem um pouco saudável: é uma bomba nuclear com potencial reacionário gravíssimo.

O processo inverso, de igrejas doarem verba para ações culturais, é a sugestão de Ana Botafogo, uma das primeiras-bailarinas do Teatro Municipal do Rio.

- Não conheço os detalhes do projeto, mas só de falar que vai tirar verba da cultura sou contra. Ainda mais para dar às igrejas, que hoje estão tão ricas, tão cheia de doadores. Elas é que deveriam patrocinar nossa cultura - afirmou Ana. - As pessoas pensam que a cultura não é tão importante assim, por isso gostam de achar que não faz mal tirar dinheiro dela.