Título: Até evangélicos reagem a projeto de Crivella
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 19/04/2007, O País, p. 12

Proposta do senador que inclui igrejas entre os beneficiários da lei de incentivo à cultura é criticada por parlamentares

BRASÍLIA. Antes mesmo de ser votado no Senado, o projeto do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que inclui templos religiosos entre os beneficiários da Lei Rouanet de incentivo à cultura, já encontra forte resistência na Câmara. A bancada católica foi surpreendida com a proposta e até mesmo setores da bancada evangélica reagiram ao projeto de Crivella, pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, de incluir as igrejas no Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). A lei, de 1991, permite que empresas invistam em projetos culturais até 4% do equivalente ao Imposto de Renda devido.

Na Câmara, parlamentares representantes de católicos e de evangélicos afirmaram que o projeto descaracteriza o objetivo da lei de incentivo à cultura. O temor é que o incentivo fiscal para igrejas alimente eventuais desvios de finalidade da função de entidades religiosas. Até mesmo integrantes do governo condenaram a proposta.

Uma das reações mais fortes foi do deputado padre José Linhares (PP-CE), coordenador da bancada católica no Congresso. No encontro que a bancada fará hoje de manhã, na CNBB, Linhares vai condenar de forma clara o projeto do Senado. Ele lembra que a Igreja Católica tem 22 museus de arte sacra no Brasil, que seriam beneficiados pelo projeto de Crivella, mas que isso não deve servir de argumento para conseguir benefícios fiscais.

- A Igreja Católica tem um patrimônio cultural único entre as religiões brasileiras, com o maior acervo de construções históricas. São igrejas com a arquitetura barroca, colonial e renascentista. Precisamos preservar esse patrimônio. Mas, mesmo assim, nós não queremos desvirtuar uma lei de incentivos fiscais para a cultura. Algumas igrejas podem usar isso para conseguir dinheiro para outras atividades. É preciso ter cuidado - disse Linhares.

"O dinheiro vai acabar na construção de templos"

Outro integrante da bancada católica, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) citou o Evangelho para condenar a proposta de Crivella:

- Está no Evangelho: "Não se pode amar a Deus e ao dinheiro". Um projeto como esse não se inscreve no âmbito da liberdade religiosa, mas no do privilégio das religiões. Isso não tem cabimento.

Para o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), da bancada evangélica, as prioridades da Lei Rouanet devem continuar sendo teatro, música, dança, cinema e literatura:

- A lei é clara: o incentivo é para cultura. Não dá para modificá-la. E esse dinheiro vai acabar sendo usado para a construção de templos. E dinheiro é o que não falta nessas igrejas evangélicas.

O deputado Walter Pinheiro (PT-BA), um dos representantes do setor mais progressista dos evangélicos, também rejeitou a mudança na lei:

- Temos que ter cuidado para não criar um ambiente para falsear as coisas. A atividade cultural jamais deve ser o papel principal de uma igreja e, por isso mesmo, não deve haver uma lei de incentivo cultural para igrejas. Esse dinheiro passaria a ser administrado por grupos. É extremamente complicado! Uma coisa é ter uma ação cultural, o que é importante; outra coisa é uma igreja receber incentivo para fazer cultura.

O líder do governo na Câmara, José Múcio Monteiro (PTB-PE), criticou a proposta:

- Essa proposta desvirtua a idéia original da Lei Rouanet. Com isso, o incentivo à cultura passa a migrar para outras atividades. Isso não é positivo.