Título: Propinas e mensalinho
Autor: Carvalho, Jaílton de e Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 19/04/2007, Rio, p. 13

A MÁFIA OFICIAL

PF confirma pagamento de R$1 milhão a desembargador por sentenças favoráveis.

Relatório sigiloso da Polícia Federal revela que integrantes da organização investigada pela Operação Hurricane fizeram pelo menos um pagamento de R$1 milhão ao ex-vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim, em troca de decisões favoráveis a donos de bingo no Rio de Janeiro. Na descrição de casos de suborno de magistrados, a PF relata que a organização chegou a pagar um mensalinho de R$10 mil ao desembargador do Tribunal Regional do Trabalho paulista Ernesto da Luz Pinto Dória, apontado como um dos intermediários entre empresários do jogo e juízes.

O relatório também aponta indícios de que houve uma negociação com o advogado Virgílio Medina, que envolveria o pagamento de R$1 milhão por uma decisão do ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, conforme divulgou O GLOBO no sábado. Também são apontados como beneficiários de recursos da organização o desembargador José Ricardo Siqueira Regueira, o procurador regional da República João Sérgio Leal Pereira, três delegados da PF e policiais civis do Rio. Os valores das propinas vão de R$100 mil a R$1 milhão, conforme o papel de cada um na compra de liminares favoráveis aos bingos.

Segundo a polícia, uma das indicações de pagamento de propina a Carreira Alvim consta de uma conversa entre o empresário Gustavo Leal, ligado a casas de bingo, a mulher, Eliara, e o advogado Evandro da Fonseca, um dos 25 presos na Operação Hurricane. No diálogo, captado em 12 de julho do ano passado, "ouve-se a voz ao fundo (provavelmente de Evandro) onde se menciona pagamento (R$1 milhão), a Carreira Alvim", diz o relatório."Neste mesmo sentido, houve, no último período de interceptação, duas ligações do próprio Carreira Alvim para Silvério Júnior, onde o magistrado menciona a parte em dinheiro".

O advogado Silvério Nery Cabral Júnior é genro de Alvim. Entre os supostos favores do desembargador aos chefões do jogo estão uma liminar liberando 900 máquinas caça-níqueis para a Betec Games, do empresário José Renato Granado, e um hábeas-corpus para Francisco Recarey, um dos mais conhecidos empresários da noite carioca. Com base nessas e outras informações, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, pediu a prisão de Alvim e de mais 24 acusados de envolvimento nas fraudes das liminares.

Relações estáveis entre acusados

Pelas investigações da PF, as relações entre bicheiros, donos de casas de bingos com advogados e magistrados começaram de forma casual. Mas, com o sucesso financeiro, os vínculos entre os integrantes da organização se tornaram estáveis. Segundo a polícia, a partir de um determinado momento, o desembargador Ernesto Dória passou a receber R$10 mil por mês da organização. O papel de Dória seria intermediar a negociação entre empresários e magistrados.

" Ernesto Dória recebia uma espécie de mesada da organização, como recompensa pelos serviços que prestava em benefício das casas de bingo", diz a PF. O pagamento seria feito pelo advogado Jaime Garcia Dias. A PF transcreve conversas em que Dória fala, de forma cifrada, com empresários do jogo sobre decisões de colegas e percentuais em dinheiro. Para a polícia, são acertos prévios de propina. Em depoimento, na sexta-feira passada, Dória confirmou o esquema de venda de liminares, segundo disse um dos investigadores do caso ao GLOBO.

O relatório do serviço de inteligência da PF descreve também as relações do desembargador Ricardo Regueira com Carreira Alvim e com donos de casas de bingos. Para demonstrar a intimidade do grupo, a PF relata um encontro entre Regueira, Alvim e o advogado Sérgio Luzio Marques Araújo no dia 21 de setembro do ano passado, no hotel Tio Sam, em Camboinhas, Niterói. O encontro teria ocorrido um dia após a concessão de mais uma liminar favorável aos empresários do jogo. O hotel Tio Sam pertenceria à família do bicheiro José Carlos Monassa, que era patrono da Viradouro. Antônio Petrus Kalil, o Turcão, preso na operação da PF, e Monassa eram aliados.

Dos quatro magistrados sob investigação, a polícia aponta o desembargador Carreira Alvim como o mais desembaraçado no contato com empresários e advogados da organização. Numa das conversas captadas em escuta ambiental instalada no gabinete do desembarcador, Carreira Alvim diz que concederia a medida pleiteada por donos de bingos e sugere ao interlocutor, um advogado, que já cobre seus honorários. O ministro diz que decisões dessa natureza já estão padronizadas e, no final da conversa, acha graça do comentário.

"Carreira pede pra avisar quando eles derem entrada (na medida cautelar), pois há muita coisa e que já tem decisão padronizada e fala que o homem não identificados já pode cobrar os honários adiantado. Todos começam a rir", descreve a PF no relatório. Na lista de investigados, que pode ser ampliada nos próximos dias, estão o ministro do STJ Paulo Medina, Carreira Alvim, Ricardo Regueira e Ernesto Dória. Entre os papéis apreendidos estão dossiês que Alvim preparou contra adversários dele no TRF da 2ª Região. Antes de ser preso, Alvim concorria à presidência do tribunal.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro voltou a negar que o ministro do STJ Paulo Medina tenha recebido propina para conceder uma liminar favorável aos donos de bingo em 15 de agosto do ano passado, principal acusação da PF. Segundo o relatório, o irmão do ministro, o advogado Virgílio Medina, teria negociado com representantes dos interessados no despacho de seu irmão a concessão da decisão por R$1 milhão.

O relatório da PF registra que o ministro teria recebido R$440 mil do irmão, Virgílio. Segundo o advogado do ministro, o dinheiro foi um empréstimo feito para pagar parte do apartamento onde Medina mora com a família em Brasília. Almeida Castro afirmou que a transação não pode ser relacionada com compra de sentença judicial porque o empréstimo teria sido feito em 2004 e a liminar foi concedida em agosto de 2006.

O relatório da PF descreve conversas de Virgilio Medina com os advogados da organização. No documento estão também transcritos vários diálogos do ministro.

- Se alguém citou o nome do ministro, incorreu em exploração ilegal de prestígio. E isso é crime. A decisão do ministro foi estritamente técnica. É grave essa ilação da questão do empréstimo e só pode ser tratada como suspeita por má-fé ou por irresponsabilidade. O ministro tinha um apartamento pequeno em Belo Horizonte, passou para um maior e pediu ao irmão R$440 mil, por empréstimo. Consta na declaração do irmão e na dele - declarou o advogado.

O procedimento disciplinar aberto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para apurar a suposta participação de magistrados no esquema investigado pela PF não será conduzido pelo ministro Antonio de Pádua Ribeiro. O ministro, que é integrante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor do CNJ, declarou-se ontem impedido para atuar no caso. Ele não declarou o motivo do afastamento, mas sabe-se que existe inimizade entre Pádua Ribeiro e o ministro Paulo Medina, seu colega de tribunal.

Medina foi processado recentemente por assédio sexual pela filha de Pádua Ribeiro, a advogada Glória Portella. O caso foi arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas mudou definitivamente a relação entre os magistrados. Agora, caberá à presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie Northfleet, decidir a quem caberá a relatoria das investigações.

COLABOROU: Carolina Brígido