Título: O avanço da razão
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 20/04/2007, O País, p. 4

AMAN, JORDÂNIA. O secretário-geral da Academia da Latinidade, o sociólogo e cientista político Candido Mendes, considera que há um processo histórico inevitável que levará à chegada ao mesmo limite de todas as culturas. Não é possível, diz ele, que algumas culturas sejam impermeáveis ao valor da dignidade e outras não. Ele não se alinha à tese do professor Mohammed Arkoun, da Sorbonne, que defende que é preciso encontrar quais os direitos que são universalizáveis, e trabalhar sobre eles. "O reconhecimento dos direitos humanos é um processo inevitável, ligado à tomada de consciência universal. Vai haver um progressivo reconhecimento, numa plataforma de racionalidade. Se existem muitas culturas, existe apenas uma civilização, que é o avanço da razão na História", analisa Candido Mendes.

Ele admite que esse processo envolve tempos e ritmos diferentes entre as culturas, que precisam ser compreendidos e "possivelmente acelerados". O seminário, segundo ele, mostrou que a convergência do pensamento ocidental com o do mundo árabe deverá ser lenta, na medida em que o problema dos direitos humanos, do ponto de vista do mundo islâmico, "fica muito ligado a se manter ou não o princípio de que há primeiro deveres para depois haver direitos, e eles estão todos amarrados à definição teológica da sharia".

Para o secretário-geral da Academia da Latinidade, "o mundo islâmico tem ainda uma definição teológica dos direitos humanos, enquanto o Ocidente tem uma definição antropológica". O problema que o mundo islâmico apresenta hoje em dia, que foi muito ressaltado na conferência, é que a declaração dos Direitos Humanos pelos povos islâmicos em 1948 "não foi uma tônica de sua presença internacional, e nos anos 1990, a Declaração do Cairo, se faz menção ao direito à vida, não faz nenhuma menção ao direito de expressão por exemplo, não há nenhuma menção aos direitos das liberdades em que o Ocidente encontra a consciência democrática".

No encerramento da reunião, Candido Mendes citou o caso das caricaturas de Maomé publicadas na imprensa dinamarquesa como exemplo típico no qual, em função de direitos humanos, tivemos um racha entre a posição Ocidental e a do mundo islâmico. O jornal dinamarquês considerava seu absoluto direito de expressão e da liberdade de opinião, e o outro lado considerava que a caricatura envolvia violência ao direito à religião e ao direito de imagem.

"No caso de uma guerra de religiões que atrase ainda mais o processo de convergência, teria que se definir, aí sim, que prioridades efetivas em direitos humanos se podem manter", ressalva. Ao mesmo tempo, porém, em que há esse avanço da consciência, "no avanço das estruturas de poder a globalização se remeteu, do ponto de vista político, à hegemonia", o que tem um efeito, segundo ele, "ao mesmo tempo frenador e acelerador dos direitos humanos".

Hoje, segundo Candido Mendes, o subjetivo está sendo envolvido pelo que o filósofo francês recentemente falecido Jean Baudrillard chama de "simulacros": você pensa aquilo que a operação da opinião pública e o discurso do imaginário permitem, definem e condicionam. "Antes de poder arguir os direitos humanos, seja no limite de aculturação que eles estejam, você tem que garantir o direito à diferença", diz Candido Mendes, o que chamou em sua palestra de "o direito aos direitos".

O professor Enrique Larreta, diretor do Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, ressalta o fato de que, em termos de diversidade, um aspecto fundamental que tem que ser distinguido é a cultura, o compartilhamento de valores comuns, e a identidade, que se constrói na oposição. "Diante de uma ameaça de fora, se forma um bloco homogêneo. O caso extremo é uma situação de guerra. É o que está acontecendo agora, tanto no Oriente Médio quanto nos Estados Unidos, onde se exacerbam as identidades e se constróem ideologias políticas que têm fundos de conexão".

O professor Larreta, que fez uma palestra sobre tortura e terrorismo, antecipando o tema central da próxima reunião da Academia da Latinidade a pedido de Candido Mendes, lembra que na Segunda Guerra Mundial a palavra terrorista era utilizada pelos alemães contra os russos que atuavam na resistência ou contra os franceses. Larreta discorda da definição de terrorismo adotada pela ONU, que identifica o uso da violência contra civis como definidora de atos terroristas.

Ele diz que "quando se entra no terrorismo do estado, essa definição fica imprópria, por exemplo, no Iraque, onde há 600 mil mortos, entre civis e militares". Para ele, a ONU, como sistema de Estado, tem que reconhecer Estados, "mas há Estados onde há condições para existir uma guerra civil justa, que tem que ser distinguida de movimentos políticos extremistas".

Larreta ressaltou que a defesa da tortura como meio eficaz de obter informações rápidas, mesmo que restrita a casos especiais e cobertas por regulamentação oficial, foi feita por importantes advogados nos Estados Unidos, como Alan Dershowitz, que ocupa uma influente cátedra na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (a Felix Frankfurter), e Michael Ignatieff, no Departamento de Direitos Humanos da mesma Harvard, ambos defendendo, segundo Larreta, a tese de que o uso ilegal da violência, embora não seja desejável nem o objetivo dos Estados Unidos, pode representar um mal menor no combate ao terrorismo.

Na sua palestra, o professor Enrique Larreta destacou a incoerência que existe por trás da decisão dos Estados Unidos de utilizarem a tortura, agora aceita por uma decisão do Congresso Americano, como maneira de combater o terrorismo e, em última análise, para estabelecer a democracia no Iraque.