Título: As novas Zonas de Bagunça Econômica
Autor: Fortes, Márcio
Fonte: O Globo, 20/04/2007, Opinião, p. 7

Um artigo de Delfim Netto, publicado no jornal "Valor" (10/4), em defesa do "novo" projeto sobre Zonas de Processamento de Exportações (ZPEs), não faz jus à sua reconhecida qualidade e à sua acuidade como analista da economia brasileira. Sublinho "novo" projeto porque o artigo, junto a outros com teor parecido, omite que já há uma lei autorizando o funcionamento de ZPEs no Brasil, feita no fim do governo Sarney. O entusiasmo do ex-deputado com o projeto é tão grande que conclui que a falta de ZPEs é um dos grandes fatores que "conseguiram transformar o Brasil no lanterninha do crescimento mundial"!

O que aconteceu com as ZPEs dos anos 80? Apresentadas como a grande panacéia para o desenvolvimento regional, para tirar o Nordeste da pobreza e promover a emancipação da economia brasileira, não deram em nada. Os 17 projetos que foram criados há muitos anos praticamente não saíram do papel.

O que é uma ZPE? É uma espécie de enclave estrangeiro em território nacional, isento dos impostos existentes; sua produção deve estar inteiramente voltada à exportação. Na prática, fica no país parte dos salários pagos aos que nela trabalham. E olhe lá, pois uma parte deles será gasta em produtos importados, também sem impostos.

A análise dos 17 projetos de ZPEs já aprovados não mostra nenhum que efetivamente represente um salto tecnológico. Nada disso. Estão fora desse fascinante mergulho na tecnologia e na prosperidade que o ex-ministro Delfim preconiza. Nem sequer se situam apenas nas macrorregiões mais pobres do Brasil - há ZPEs previstas para Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. E, se o projeto virar lei, vão se instalar principalmente nesses estados, além de São Paulo e Paraná.

Outro argumento dos defensores das zonas se desfaz diante das tendências recentes da economia brasileira. As ZPEs sempre foram apresentadas como arma decisiva (sic) para enfrentar o estrangulamento externo da economia, fenômeno que desapareceu nos tempos atuais - ao contrário, estamos, literalmente, nos afogando nos dólares que hoje supervalorizam a moeda brasileira.

Por que as ZPEs não deram certo no Brasil desde o fim dos anos 80, apesar de todos os privilégios fiscais e de extraterritorialidade? Para começar, porque o governo Collor turbinou a Zona Franca de Manaus, eliminando as exigências precisas de conteúdo local da produção e expandindo os setores que lá poderiam se instalar. Logicamente, a Zona Franca é mais atrativa do que qualquer ZPE, quando não se trata apenas de aproveitar algum recurso natural. E, diga-se o que se disser, a Suframa foi e tem sido um instrumento efetivo de desenvolvimento regional. Depois, porque o mesmo Collor promoveu uma rápida, drástica e maciça abertura da economia brasileira, além de sobrevalorizar a moeda, fatores que baratearam espetacularmente as importações, estratégia mantida após o Plano Real e até hoje. Só para lembrar o caso da China, exaltada como exemplo de ZPEs bem-sucedidas, basta mencionar que elas se instalaram quando a economia chinesa era fechada e bem menos desenvolvida do que a brasileira em matéria industrial. E que jamais funcionou com câmbio sobrevalorizado - muito pelo contrário. Além disso, é uma economia até hoje administrada pelo Estado, onde crimes econômicos, como o contrabando que assola a economia brasileira, são punidos até com pena de morte...

O que traz de novo o "novo" projeto das ZPEs? Entre outras, três modificações na legislação, que seus defensores jamais mencionam. As três altamente perversas.

Primeiro: elimina a proibição de que o Tesouro Nacional assuma ônus decorrente de implantação de ZPEs. Ou seja, além da pressão por créditos subsidiados ao Tesouro, rolarão emendas e emendas orçamentárias de parlamentares, fomentadas pelos grupos de interesse que controlam esta ou aquela ZPEs, para subvencionar o paraíso fiscal. Convenhamos: se essa eliminação não fosse importante, não teria sido incluída no projeto de lei que renova as ZPEs!

Em segundo lugar, passa a permitir que uma parte (20%) da produção das ZPEs seja vendida no mercado interno! Mas o objetivo não era exportar? Mesmo se prevendo que as mercadorias vendidas no mercado interno deveriam ser tributadas, como a própria Receita Federal mostrou, é impossível repor uma tributação isonômica com a que é feita sobre a atividade produtiva doméstica fora das ZPEs. Mais ainda: a tendência ao contrabando, que, em uma ZPE voltada apenas à exportação, já seria grande, no caso da abertura da produção para o mercado interno aumentaria exponencialmente.

Em terceiro lugar, além de impor graves limitações à fiscalização e à cobrança de impostos, o projeto das novas ZPEs elimina a exigência de que as empresas nela situadas apresentem à Receita Federal a relação dos insumos utilizados no seu processo de produção - requisito essencial para o controle aduaneiro das entradas e saídas de mercadorias! Neste aspecto, é um verdadeiro projeto de Zonas de Processamento de Contrabando.

Há ainda outra estranha retirada: a da proibição da produção e comercialização de derivados de petróleo, combustíveis e lubrificantes. De que forma essa novidade traria aporte tecnológico ao Brasil é um mistério. Mas é bem possível que responda a algum lobby poderoso.

Por fim, a criação das "novas" zonas só dependeria de autorização do presidente da República, diante de requisitos fáceis de serem preenchidos, e a pedido de governadores e prefeitos do Brasil inteiro. Ou seja, junto com o contrabando, a discricionariedade - dois elementos fundamentais para a corrupção e para uma "bagunça econômica" como nunca houve entre nós.

MÁRCIO FORTES foi presidente do BNDES e secretário de Indústria e Comércio do Estado do Rio de Janeiro.