Título: A obsessão punitiva sobre a juventude
Autor: Couto, Luiz e Paim, Paulo
Fonte: O Globo, 20/04/2007, Opinião, p. 7

A cada crime bárbaro divulgado no país, ressurge o clamor por penas mais duras. É compreensível que delitos brutais despertem reações desesperadas, mas o furor vingativo não é bom conselheiro da elaboração legislativa nem deve servir de parâmetro para a atuação do poder público.

A obsessão punitiva elegeu como alvo da vez a juventude. Clama-se pela redução da maioridade penal e pelo aumento do tempo de internação dos adolescentes infratores. A condição de "menor" está se tornando agravante ao invés de atenuante. Fala-se em um suposto incremento da participação de jovens na criminalidade.

Em São Paulo, estado com maior número de adolescentes internos, entretanto, a participação de menores em crimes graves, no ano de 2003, não chegou a 1% das ocorrências. Enquanto isso, os homicídios de jovens de 14 a 17 anos vêm crescendo, em todo país, em ritmo mais acelerado do que nas outras faixas. Os jovens das periferias e demais moradias precárias, em especial os negros, são os mais vitimizados. Os estados líderes do ranking de homicídios na juventude estão entre os de maiores taxas de desemprego e evasão escolar.

Ora, primeiro condenamos o jovem à exclusão e a um maior potencial de vitimização. Depois, quando esse caldo cultural transborda na delinqüência, exigimos punições medievais para aplacar nossa sede de vingança. Pior, deixamos esses jovens no cárcere, para de lá saírem desprovidos de valores humanistas e reféns do crime organizado.

Ao fazer este alerta não estamos menosprezando o grave problema da impunidade, causado por falhas nos inquéritos policiais e pela lentidão da justiça. O Estatudo da Criança e do Adolescente prevê punições individualizadas. Porém, as medidas socioeducativas em meio aberto, que geram menos reincidência e reabilitam mais, ainda são pouco utilizadas.

A delinqüência juvenil é um fato social e não mero fruto de impulsos individuais. Ela cresce na ausência de pertencimento do jovem à família, à comunidade, à escola, à atividade profissional ou ao que lhe proporcione valores e reconhecimento. Não é possível, portanto, combater a violência juvenil reduzindo-a a caso de polícia.

Dessa forma, as políticas públicas para o jovem devem ser incorporadas de forma transversal por diversos órgãos e não apenas pelos da segurança pública.

O governo federal pode encaminhar, sem mais demora, projeto regulamentando as medidas socioeducativas, mas pode também dotar os programas sociais de medidas para a inclusão dos jovens.

Os governos dos estados podem prover as instituições de internação de menores de condições dignas para o cumprimento de sua missão, mas precisam fomentar políticas de inclusão social, educacional e profissional para nossos filhos.

Os municípios devem desenvolver programas de prestação de serviço à comunidade e de liberdade assistida para viabilizar a aplicação, pelo Judiciário, das medidas socioeducativas em meio aberto. Podem, ainda, envolver a comunidade em ações preventivas da criminalidade, mas precisam oferecer opções de cultura, esporte e lazer. As empresas podem criar vagas para jovens em situação de risco, mas devem propiciar aos empregados condições para a convivência familiar.

No Congresso Nacional, as Comissões de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal estão empenhadas em apoiar medidas que incidam sobre as causas da violência. Defendemos a valorização da juventude como sujeito de direito e objeto da prioridade da sociedade nos esforços para construir um Brasil de paz, com segurança pública e inclusão social para todos.

LUIZ COUTO é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. PAULO PAIM é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.