Título: Um balcão de negócios no Judiciário
Autor: Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 20/04/2007, Rio, p. 14

Inquérito mostra preços calculados conforme o número de beneficiários.

BRASÍLIA. Mais do que a venda de liminares, o inquérito que resultou na Operação Hurricane revela indícios da existência de uma espécie de balcão de negócios montado no Judiciário para servir aos interesses da máfia dos caça-níqueis. Ao longo das mais de três mil páginas, o inquérito da Polícia Federal mostra a negociação de decisões judiciais pré-fabricadas, cujos preços eram calculados de acordo com o número de "clientes" que dela se beneficiariam.

Com o auxílio de escutas telefônicas, os agentes federais descobriram que, em muitos casos, o valor cobrado pelas liminares era calculado de acordo com o número de máquinas caça-níqueis apreendidas - e que seriam liberadas pela decisão. Em uma conversa gravada, um advogado identificado apenas como Fred diz a um integrante da quadrilha que (os juízes) "estão cobrando R$400 por cada máquina apreendida". A empresa interessada na negociação era a Reel Token.

"O restante pode ser dividido em duas vezes"

Em outra ligação, o advogado e ex-policial federal Oscar Camargo revela ao policial aposentado Luiz Paulo Dias de Mattos que conseguiu uma liminar em São Paulo e diz que tem dez dias para indicar ao magistrado as casas de bingo que vão figurar entre as beneficiadas. Oscar pede que a informação seja repassada a José Renato Granado, presidente da Associação dos Bingos do Rio, e informa o preço: R$150 mil por bingo. "Diz que são cinqüenta (R$50 mil) para incluir o nome, e que o resto (R$100 mil) pode ser dividido em duas vezes", diz ele, segundo a conversa reproduzida no inquérito pela PF.

Um dos principais acusados pela PF de vender liminares é o desembargador José Eduardo Carreira Alvim. Em escuta feita pelos agentes em seu gabinete, o magistrado antecipa a um advogado identificado como Azulay, que trabalharia para empresários de bingos, que concederia uma medida cautelar pedida pela organização criminosa e sugere que ele cobre logo seus honorários. E mais: revela que já tem as decisões sobre o tema padronizadas. "É 100% garantido", diz o desembargador, de acordo com transcrição.

"Me pegar por corrupção, eles não vão nunca"

Carreira Alvim é dono de uma frase considerada tão emblemática pelos policiais que trabalham na Operação Hurricane que ela foi destacada na primeira página do relatório de 44 páginas que descreve a organização criminosa: "Me pegar por corrupção, eles não vão pegar nunca".

As escutas revelam indícios de que ele tinha conhecimento do suposto envolvimento do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Paulo Medina, também suspeito de vender uma liminar que liberou 900 máquinas caça-níqueis apreendidas. Em conversa no dia 20 de setembro do ano passado, Alvim diz que os bicheiros só têm uma chance de vitória num recurso no STJ: "O problema é que, quando chegar lá, se cair no ministro Medina, talvez ele dê; se cair em outro, não".

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