Título: Escassez de gás à vista
Autor: Franco, Ilimar e Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 20/04/2007, Economia, p. 21

MUY AMIGO

Governo cogita interrupção do fornecimento da Bolívia e busca outros fornecedores

OBrasil já trabalha com a hipótese de o fornecimento de gás natural boliviano ser interrompido, diante da radicalização que toma conta do país vizinho - na sociedade e do governo - e da fraqueza política do presidente Evo Morales. Não há comunicação entre os dois governos desde terça-feira. A dependência do gás boliviano virou uma grande preocupação do Palácio do Planalto depois de protestos populares que ameaçaram um duto de gás da Bolívia para a Argentina, que passa no território de uma reserva indígena. O Executivo - Casa Civil, Ministério de Minas Energia e Itamaraty - e a Petrobras estão buscando fornecimento alternativo para garantir o suprimento.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem ao Conselho Político, formado pelos 11 partidos governistas, que negocia a importação do gás de outros mercados. Apressar os investimentos na área de gás da Petrobras, a maioria incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é outra medida em estudo. Ontem, Lula tratou do tema com o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau.

- O Brasil não pode mais cometer esses erros (ficar dependente). Aquilo que se acerta não se cumpre. O Evo não tem controle suficiente do governo para garantir o que está nos contratos - disse Lula, segundo um líder governista.

Além da Argélia, a Petrobras deverá enviar emissários a outras nações exportadoras, como Trinidad e Tobago e Líbia. O governo brasileiro busca formas de viabilizar a importação. Uma delas é acelerar as obras para a construção de duas regaseificadoras no país, capazes de processar (passar o gás do estado líquido para o gasoso) cerca de 20 milhões de metros cúbicos de gás por dia. O Brasil importa da Bolívia aproximadamente metade do gás que consome.

Lula vê a Venezuela como saída

Até que as regaseificadoras fiquem prontas, o governo estuda uma forma alternativa de importar o gás líquido e processá-lo, tarefa difícil. Duas saídas são a compra de um navio com uma regaseificadora ou o aluguel de uma embarcação do gênero. Lula também pediu à Petrobras que antecipe a produção de gás no Espírito Santo. Ele disse ainda ao Conselho Político que é necessária a construção de um gasoduto ligando a Venezuela ao Brasil, para diversificar as fontes.

A Petrobras poderá acionar a qualquer momento o plano de contingência coordenado pelo Ministério de Minas e Energia. Mas, segundo um executivo da estatal, a Petrobras não acredita em um corte no fornecimento, pois a própria Bolívia seria o primeiro país a ser afetado. Apesar da crise na província de Gran Chaco, o governo de Morales garantiu que o fornecimento permanece normal.

Lula voltou a criticar o governo Fernando Henrique Cardoso por ter montado uma matriz energética baseada no gás natural, cuja produção não é suficiente para abastecer o país. O presidente disse que a ampliação da produção nacional e a construção do gasoduto levarão tempo.

Desde a ríspida conversa de Lula com Evo Morales - na qual o presidente disse que haverá retaliação à Bolívia se o vizinho não indenizar a Petrobras pela tomada das refinarias e prejudicar o fornecimento de gás - paira o silêncio. Até o início da noite, não foram registrados contatos entre autoridades brasileiras e bolivianas. As discussões técnicas ficarão a cargo da Petrobras e da petrolífera boliviana YPFB nos próximos dias.

Uma fonte disse que a Petrobras quer, pelo menos, US$180 milhões para compensar os investimentos feitos nas duas refinarias, compradas no fim da década de 90 por US$102 milhões. O governo boliviano diz que a Petrobras já lucrou o suficiente com o negócio e, se não houver acordo, a estatal recorrerá a uma Corte internacional.

Lula também teria transmitido, em encontro reservado com Hugo Chávez, seu descontentamento com a postura da Venezuela de apoio à Bolívia. Chávez teria inclusive se prontificando a colocar a PDVSA nas refinarias, se a Petrobras sair do negócio.

Ontem, o Congresso boliviano sancionou as leis que nacionalizaram o setor energético.

COLABORARAM Luiza Damé e Mônica Tavares, com agências internacionais